aromas
(alexandre pontes)
Aromas
Resolveu que o mundo acabava, e era hora.Tomar um porre ao quilate do Pará, belo Estado: grande, molhado, multicor. Pediu pinga com groselha. Razão não faltava: chegar em casa, são, era por demais sacrifício. Encarar a rudeza de Piedade, chamada no peito só à razão de matrimônio, já lá vão vinte anos...
Quem te teve no verdor e ardume do cabaço, Piedade, como te entender agora? Engordada de arrobas, buço à Olívio Dutra, peidando nas poucas horas que te convoca o exercício conjugal? Pro meio dos infernos!
E vai beber mais, entendeu pedir campari – onde se viu, copo experiente sem jamais ter provado campari? Bebida de atitude e beleza. E pediu campari, cheiro acre-adocicado, pode haver? Fez careta ao ver limão boiando no copo alto.
Sentiu-se mais apagada figura, de mundo pequeno, salário pequeno, pinto pequeno e 43 desaniversários, provação assim só no lombo de Jó. Pois pensou que em beber mudava tudo, e vinha um disco voador o resgatar. Da cozinha da bodega onde se encharcava olfatou fritura e óleo velho, aí surtou: coisa passada, lembrança boa com o pai do lado: casa de mulher paga, tremedeira dos quinze anos...
Quarto com luz azul ou magenta, lembrar cadê? Imagem de santo, cheiro de almíscar traçado com desinfetante, mistura desgraçada, ele afoito e desinteligente, era só a dama dizendo, passa pra dentro, menino,nem paguei a chave,e passou pra dentro! Suadouro, visgo e bodum de salmoura, gemidos de mentira e dizer de andar depressa, sacode, a luz azul (era magenta?) virando brilho, suor que, quente, gela, baba. Salmoura, que, mudada, agora lembra mais fedor de borracharia, pressão nos baixos e explosão: desmamou. Sair que são horas, ela exigiu, ele foi. Papai do lado de fora, copão de cerveja, olor de très brut de marchand, o viu tremendo, olhos brilhando, entendeu. Pais entendem as coisas.Sempre.
Dessurtou. Bebeu conhaque de alcatrão, perfume forte e sarrento, como cigarro – se alheio, azedo; se próprio, adocicado. Rápido, saiu do bar, dois desejos: Igreja rezar pro pai, finado há tantos; depois correr pra casa, pra Piedade, beijar, amar e ter Piedade - malgrado os bigodes, muitos quilos e os gases, malditos gases. Vida é assim. Ora fede, ora cheira.
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