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Simulacro da Brancura
(Márcio André dos Santos)

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Simulacro da brancura Comum nos EUA e na África do Sul, o debate em torno da branquitude tem chamado a atenção de alguns pesquisadores brasileiros. O termo não substitui a idéia clássica de dominação de classe ou outra categoria sociológica qualquer. No caso brasileiro, a branquitude tem se afirmado enquanto espaço de exercício de poder dos grupos brancos (notem o plural) sobre as outras coletividades, notadamente as coletividades negras. O mecanismo é tão bem construído que os próprios brancos "esquecem" que o possuem. Selam assim com os demais o chamado pacto silencioso da brancura. Por lugar de branco entenda-se espaço de reprodução e usufruto de poder: poder econômico, social, simbólico, de produção cultural, de interpretar realidades, enfim, um conjunto abrangente de poderes que ideologizam a dominação e que, vez ou outra, conta com a bondosa colaboração de membros dos grupos subaternizados. Em outros termos, ser branco no Brasil significa capitalizar todos os bônus sociais e psicológicos advindos disso. Quer dizer que um branco pobre, desempregado, etc, também usufruiu deste bônus? Secamente falando, sim. Por mais que continue pobre, desempregado e digno de políticas públicas de inclusão social, esse branco termina por levar vantagem se comparado a um negro. Quando Ronaldo diz que é branco, o que ele quer na verdade dizer é isso: "também quero esse bônus que a brancura traz. Também quero capitalizar para mim as vantagens que a (suposta) democracia racial brasileira (ou se preferirem, o racismo brasileiro camuflado de democrático) me possibilita por passar-me branco, casando-me com brancas e cegando meu passado de negro. Se a branquitude é a ideologia oculta dos brancos, a declaração de Ronaldo acaba de atestar que ela também pode servir para alguns negros. Sem receio de errar, podemos dizer que o sonho de Ronaldo será a exata desgraça cognitiva de milhares de crianças e adolescentes negros brasileiros, registrados como pardos, pretos ou mesmo brancos em suas certidões de nascimento. O "Fenômeno", que boa parte deles entendiam por negro, diz que é, na verdade, branco. Não custa, estórias assim vão começar a pipocar lares afora: "Papai, também vou dizer por ai que sou branco, tipo o Ronaldinho. Quem sabe assim aquela menininha branquinha lá da escola não olha pra mim. Quem sabe assim a professora não me faz elogios também" (essa uma ficção). Ou então: "Mãe, queria pegar a doença do Michael Jackson e ficar branco". "O que é isso, pra quê que filho?" "Porque na minha escola ninguém quer brincar comigo, falam que é porque eu sou preto". Silêncio... Angústia... Novamente o silêncio... Com o choro aprisionado, a irmã me chama: "André, vem aqui falar com ele, pois já não sei...." (essa, verídica, aconteceu lá em casa com o meu sobrinho. Felizmente o pretinho continua gostando das músicas do Michael, mas não tá nem ai pra doença dele. Agora prefere ouvir os Racionais). O desserviço para a auto-estima das crianças negras e não-brancas feito por Ronaldinho Antifenomenal é de tamanha proporção que prevejo um mercado de trabalho promissor para psicólogos sociais que se formarão daqui a uns cinquenta anos. Só em pensar que crianças, adolescentes e mesmo adultos de praticamente todo o planeta se inspiram em sua história de "superação" da pobreza e de sucesso profissional, dá um arrepio grande. Lembro de um filme americano (pra variar) muito interessante chamado Esquadrão da Reforma que expressa bem a idéia desse ensaio. Um grupo de afro-americanos radicais dos anos 90 seqüestram outros afro-americanos que trabalham em empresas de brancos que ao ascenderem socialmente "esquecem" totalmente suas comunidades e de condição de negros. Os seqüestrados ficam meses, sob tortura psicológica pesada, revendo momentos emblemáticos da cultura negra norte-americana e a luta pelos direitos civis até recobrarem a "lembrança" do lugar de onde vieram e valorizar seu real pertencimento. Não que eu esteja proponho o seqüestro do nosso ex-Fenômeno, mas bem que ele devia passar uns meseszinhos preso para parar de brincar de ser branco. Ser branco é mole, quero ver é ficar com a cara preta estampada as porradas da realidade e ainda por cima ter orgulho de ser o que se é. Não basta dizer-se contra o racismo e a discriminação racial, como declarou. Há que se ter coerência. O anti-racismo racista brasileiro já expôs a sua total falácia: ao confessar que há racismo nega que seja racista. Ou seja, lava as mãos. Estamos longe da pretensão de estabelecer o que seria certo ou errado neste sentido. Quem tem boca, afinal, fala o que quer. Agora, peralá... Tudo tem limite. Esse menino está brincando com os nossos brios. Levamos quase o século 20 inteiro para convencer a negligente elite brasileira e a sociedade a reconhecer minimamente a existência do racismo e a começar a nos tratar com a dignidade que exigimos e vem esses ex-negros brincar de ser branco!! Sinceramente, fica difícil. Melhor torcermos desde já para essa onda não se espalhar feito uma tsunami embranquecedora. Imaginem se o Robinho resolve aparecer amanhã e dizer que é branco também, ou então o Cafu, o Grafite, o Romário, o Ronaldinho Gaúcho, o Junior Baiano, o Pelé... Bom, quanto ao Pelé, melhor deixar pra lá por enquanto. É... e muitos duvidavam da eficácia do sistema. Marcio André dos Santos é sociólogo e mestrando em ciências sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]



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