O que Diz Molero
(Dinis Machado)
A literatura portuguesa levou um abanão de todo o tamanho quando em 1977, na pós revolução de Abril, O Que Diz Molero foi publicado, no ano na sua edição foram publicadas 5 edições, coisa rara no campo das letras em Portugal, onde tão pouca importância se dá aos livros.
Na altura tentei ler o livro, posso afirmar sem um pingo de modéstia que nessa época o que diz Molero me deixou enjoada, aquele turbilhão de palavras, a falta de parágrafos, virgulas, a linguagem ora literária, ora popular, o vernáculo, a verborreiadeixaram-me completamente tonta. Mas o defeito não era do livro, era meu, tinha quinze ou dezasseis anos, queria ler o que liam os adultos, queria entender o livro de que falava o meu professor de literatura, mas não tinha cultura literária, politica, cívica para conseguir acompanhar o que lia, o resultado é que comecei, desisti, recomecei, voltei a desistir vezes sem conta até que foi para a prateleira à espera de melhores dias.
Foram necessários quase trinta anos para o ler, e o que me fez voltar a tentar foi uma noite alucinante passada num bar engraçadinho, mas com uma frequência que vai do punk ao gótico passando pelo yuppi, onde no intervalo de música alternativa as pessoas se aventuram e se expoêm para dizer poesia. Um senhor com uma idade bastante razoável, disse um texto de uma forma bastante poética que eu achei lindíssimo, foi aplaudido até dizer chega, fiquei muito intrigada e bastante curiosa, ele tinha dito um texto extensissimo de cor. Era o que diz Molero.Decisão: à que reler, mas a sensação de tontura, de náusea voltou. Conclusão óbvia eu ainda não tinha atingido aquele estádio, ou então eu e Molero não colavamos, não tinha capacidade para ler aquele livro. Uma tarde de sábado sem grandes coisas para ocupar o espírito resolvi que daquela vez era, voltei a ler o livro mas desta vez do princípio ao fim sem interrupções. Lê-se numa tarde e depois fica-se zonzo,sem chão, até conseguir aterrar no mundo real. Não é à toa que este é um dos livros mais badalados, comentados citados, de toda a história da literatura portuguesa. Uma das coisas mais curiosas sobre essas citações é que são proferidas tanto por aqueles que eu chamo de intelectuais de esquerda, como pelos ditos de direita, e mesmo que não pareça há uma grande diferença pelo menos na maneira de o citar.
O livro relata de uma forma absolutamente surpreendente a vivência do autor, ingénua, lírica, fraternal, irónica, com uma linguagem tanto erudita, como poética ou popular, tem tanto de trágico como de cómico. Como já referi é estonteante, é de começar e não parar até chegar ao final, ou perdesse o fio á meada, já não se sabe quem disse o quê, as referências são tantas, do cinema, á musica, á banda desenhada, passando pelo mitico Santos e acabando no não menos mitico Péle, que a cabeça fica um autêntico redemoinho e para recomeçar não se sabe muito bem onde se parou e se se sabe também já não conseguimos fazer muito bem a ligação entre o que já lemos e o que estamos a ler, ou então serei eu burra.
Não é este o livro da minha vida, não era este o livro que eu levaria comigo para uma praia deserta, por causa do ritmo aluciante a que ele nos obriga a pensar, não é um livro que relaxe, stressa, mas é um livro de leitura obrigatória, sem dúvida nenhuma que enriquece quem o lê.
Resumos Relacionados
- Criancinhas Devoradas
- A Carga
- Codex 632
- Um Pequeno Conto Sobre "as Palavras Que Nunca Te Direi
- As Crônicas De Nárnia
|
|