Fidel Castro - Biografia a Duas Vozes
(Ignacio Ramonet)
Ignacio Ramonet mete mãos a um projecto de grande envergadura, cujo resultado fica consagrado num livro de mais de 600 páginas que constitui, sem dúvida, um trabalho original no género da biografia. A história, apresenta-nos um quadro grandioso de milhentos matizes, humanos, políticos e económicos, onde se destaca em grande plano a figura de Fidel Castro e a Revolução Cubana. Tudo isto dentro do contexto da História contemporânea, abrangendo o período que vai do início da década dos anos vinte, do século passado, até aos nossos dias. Este trabalho tem a particularidade da biografia nascer na primeira pessoa, pois resulta de uma entrevista de mais de cem horas que Fidel aceitou conceder a Ramonet e foi baptizada: “Biografia a Duas Vozes”. Ela acontece pouco antes da doença grave que atingiu “El Comandante”.
Ramonet usou todo o seu saber e conhecimentos, “provocando” o entrevistado de modo a que os assuntos relevantes de Cuba, da sua Revolução e do Mundo fossem abrangidos e tratados. O interesse da obra tem a ver com a capacidade e conhecimentos do entrevistado, que consegue a adesão do leitor devido ao seu entusiasmo e eloquência, acompanhados de uma forte convicção e de descrições de imagens que ajudam a criar um “filme” que espevita e motiva fortemente.
A sedução da palavra e a dinâmica do discurso desafiam o leitor desde a primeira à última resposta. Primeiro as lutas pela independência, os períodos das ditaduras de Machado e Fulgencio Batista e o domínio Americano, depois tempos marcantes da vida do entrevistado, o nascimento na herdade de Manaca, a sua infância no latifúndio ou quinta dos pais em Biran e os primeiros passos e rebeldias na escola primária. Destaca-se o caminho do secundário com os Jesuítas, de origem espanhola, até à entrada na Universidade de Havana e a sua formatura em direito. Há uma referência atenta à origem humilde dos pais, sobretudo do pai espanhol da região da Galiza, soldado primeiro a combater em Cuba por Espanha, e depois lá regressando como emigrante.
Destacam-se episódios marcantes na Universidade, onde, como opositor ao regime, consegue organizar um grupo numeroso de estudantes contestatários que esclarece e ajuda a formar politicamente. Depois prepara a primeira grande acção que se traduz no assalto ao Quartel Moncada. O fracasso, com muitas vítimas por parte dos assaltantes, resulta na primeira grande provação de Fidel. Na prisão elabora a célebre defesa: “A História Absolver-me-á”. Condenado, resta-lhe a fuga para o México onde conhece Che Guevara.
Regresso no Navio Granma. Novo falhanço e a morte de muitos companheiros. Este segundo desaire nada consegue contra a sua determinação. Segue-se o refúgio na Sierra Maestra com os que restam: apenas doze companheiros. Lá organiza e traça uma estratégia de ataque militar, mas também de política e de adesão popular que vem a ser determinante na vitória em 1959. Entretanto o regime de Fulgêncio Batista, com um exército de 80 mil militares, esboroa-se e o ditador foge. A entrada triunfal em Havana, de Che primeiro, e dias depois de Fidel, sem dispararem tiro algum, aparece naturalmente em grande plano.
Sempre presente no livro a memória da tensão permanente: os milhentos atentados em toda a Ilha, organizados pela CIA em conjunto com dissidentes de Miami, o pedido de apoio à URSS, os EUA e a crise dos mísseis e a ameaça de um conflito nuclear. Apesar de tudo sobressai a sua grande admiração por Kennedy que chega a ser de consternação quando este é assassinado.
O mais doloroso acontece a 17 de Abril de 1961 com a invasão e desembarque na Playa Girón (Baía dos Porcos). Trata-se de uma expedição de cerca de 1500 homens treinados pela CIA e quase todos mercenários. Dois dias de combates violentos e um saldo de mais de 400 cubanos mortos, com a resistência organizada e comandada pelo próprio Fidel que consegue vencer e fazer 1200 prisioneiros. Fidel ordena que ninguém deve tocar nos prisioneiros. Porém, a factura para a troca apresentada aos americanos não deixa de ser pesada: muitos milhões de dólares e um navio de medicamentos e outras mercadorias. A proposta foi negociada por altos responsáveis de ambas as partes e finalmente aceite pelos EUA, que para comemorar enviam a Fidel, pelo principal advogado americano das negociações, estranho presente: um escafandro! Tratava-se de mais um atentado organizado pela CIA, pois o escafandro era portador de uma infinita quantidade de bactérias fatal ao seu utilizador.
Como acentua Ramonet, apanham-se na longa entrevista flagrantes de “um Fidel íntimo e quase tímido, educado e muito caloroso, sincero e sem vaidade”, com uma dimensão intelectual invulgar e uma vastíssima cultura do seu país e do mundo. A questão da política mundial e de dirigentes famosos é colocada. Alguns aspectos mais complexos são desenvolvidos e aprofundados. A clareza de análise impressiona. Questões concretas são formuladas sobre dirigentes mundiais. Respeita Mao Tse Tung mas reprova e condena o que considera extremismo esquerdista, quando aborda a chamada revolução Cultural. Perguntado sobre quais as figuras e grandes dirigentes que admira, responde com naturalidade e aponta General de Gaulle, Willy Brandt, Olof Palme e o Papa Wojtyla, além do seu amigo particular, o ex-presidente dos EUA, James Carter.
Seja qual for o posicionamento político, esta é uma obra importante que não poderá ser ignorada e merece por isso leitura atenta.
Resumos Relacionados
- Fidel Castro - História Do Líder Máximo
- Fidel Castro E As Mudanças Em Cuba
- Che - Part One
- Fidel Confirma A Renúncia à Chefia Do Partido Comunista Em Cuba.
- Revolução Cubana
|
|