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Raízes do Brasil
(Sérgio Buarque de Holanda)

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A falta de coesão em nossa vida social não é um fenômeno moderno, advém do culto à personalidade, da frouxidão da estrutura social e da falta de hierarquia organizada, características da península Ibérica.
A nobreza e povo português mantinham contínuas relações de intimidade. A burguesia mercantil não precisou de uma nova escala de valores para firmar seu predomínio. Para portugueses e espanhóis, mérito e responsabilidade individuais deveriam encontrar pleno reconhecimento, repudiaram toda moral fundada no culto ao trabalho. O princípio unificador foi representado pelos governos e a obediência era a suprema virtude, o único princípio político verdadeiramente forte, assim como a vontade de mandar e a disposição para cumprir. A forma atual de nossa cultura é herdada de Portugal.
Não houve um empreendimento metódico e racional na conquista do trópico pelos portugueses. Vinham buscar a riqueza que não custa trabalho, mesmo princípio aplicado a produção agrária. Todos queriam extrair do solo excessivos benefícios sem grandes sacrifícios, portanto, não era necessário modificar os rudes processos dos indígenas, ditados pela lei do menor esforço, desde que se acomodassem às conveniências da produção em larga escala. Nesse contexto, o trabalhador teve papel quase nulo. O elemento orquestrador foi a ânsia de prosperidade sem custo, que acabou favorecendo a mobilidade social e estimulou os homens a enfrentarem as resistências da natureza; esse gosto pela aventura teve influência decisiva na vida nacional.
O bom êxito no processo colonizador é oriundo do fato de que os portugueses não souberam ou não puderam manter distinção com o mundo que vieram povoar. A mestiçagem representou o elemento de fixação ao meio tropical.
A estrutura da sociedade colonial foi essencialmente rural. A vida da colônia se concentrava nas propriedades rurais, as cidades eram simples dependências delas. Nos domínios rurais, autoridade do proprietário não sofria réplica. O engenho era um organismo completo. A família era a base e centro de toda a organização. Os escravos e os agregados, aumentaram o círculo familiar. A autoridade do pater-famílias era virtualmente ilimitado e com poucos freios para sua tirania. Predominava em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família. Essa é a marca de nossa sociedade, de nossa vida pública, de todas as nossas atividades.
A situação de dependência das cidades pelos domínios agrários marcou o processo de absorção das populações rurais. As atividades e funções citadinas, como a atividade política, a burocracia e as profissões liberais foram ocupadas pelos indivíduos de mesma origem dos antigos senhores rurais. Trouxeram a mentalidade, os preconceitos e o teor de vida que tinha sido atributos específicos de sua primitiva condição. A mentalidade da casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões inclusive das mais humildes. Muitas das dificuldades observadas no funcionamento dos nossos serviços públicos, devem ser atribuídas, às mesmas causas. A ordem administrativa do país comporta elementos estreitamente vinculados ao sistema senhorial.
O princípio norteador da colonização portuguesa foi a rotina. As cidades construídas na América não é produto mental, os centros urbanos obedecem à topografia. A ordem que aceita é a do semeador, não a do ladrilhador. Nenhum estímulo vindo de fora incitava a tentar dominar seriamente o curso dos acontecimentos, a torcer a ordem da natureza. O deixar estar sobrepõem-se à ambição de arquitetar o futuro, de sujeitar o processo histórico a leis rígidas.
Acentuou-se entre nós o desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo. Normalmente nossa reação ao meio em que vivemos não é uma reação de defesa. O brasileiro é livre para se abandonar a todo o repertório de idéias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os freqüentemente sem maiores dificuldades. Porém só assimilamos efetivamente os princípios até onde coincidam com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes.
Da mesmo forma que em Portugal o vício do bacharelismo ostenta-se em nossa tendência a exaltar acima de tudo a personalidade individual como valor próprio, superior às contingências. Do nosso apego aos valores da personalidade vem a origem da sedução exercida pelas carreiras liberais. No Brasil, os movimentos aparentemente reformadores, foram de inspiração intelectual, partiram quase sempre de cima para baixo.
O amor às letras não reagiu contra nossa realidade cotidiana, esqueceu-a, foi fabricada uma realidade artificiosa e livresca, na qual a realidade desaparecia. Um dos traços em que nossa intelectualidade demonstra sua missão conservadora e senhoril é a presunção de que o talento é espontâneo e que os trabalhos e o estudo acurado conduzem ao saber, mas assemelham-se aos ofícios vis que degradam o homem.
Existe uma concepção de mundo que simplifica as coisas para colocá-las ao alcance de raciocínios preguiçosos. Um mundo complicado requereria processos mentais laboriosos. Acreditam que da sabedoria e sobretudo da coerência das leis depende diretamente a perfeição dos povos e dos governos.
O aparelhamento político se empenha em desarmar todas as expressões em desarmonia, negando a espontaneidade e a idéia de que o país não pode crescer por suas próprias forças, devendo formar-se de fora para dentro com a aprovação dos outros.
De acordo a experiência, a simples substituição dos detentores do poder público se não for precedida e determinada por transformações estruturais na vida da sociedade não será eficaz.
Não haverá vitória enquanto existir os fundamentos personalistas e aristocráticos que assentam a vida social.



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