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Modernidade
(André C S Masini)

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André C S Masini


Um dia desses, andando pela rua Rio Grande do Sul, eu vi à distância
duas adolescentes. Elas vinham caminhando lado a lado, do jeito que
todas as amigas sempre fizeram, mas algo havia de diferente:


Não falavam entre si, não sorriam, não gesticulavam. Não mostravam
nenhum dos trejeitos e expressões tão graciosas que as moças exibem
quando conversam sobre meninos, ou roupas, ou outras coisas mais.


Seus olhos vinham parados, perdidos em alguma distância abstrata. Neles
não havia interesse pelo que estava em volta; não viam o caminho, as
árvores, a calçada, as pessoas...


Eram duas jovens saudáveis, caminhando com seus corpos físicos ali
presentes, mas com suas mentes perdidas em algum lugar etéreo, muito
longe dali...


Cada uma delas falava em um telefone celular, que era segurado com
a mão oposta ao lado que a amiga estava. Suas cabeças estavam voltadas
para os aparelhos, uma dando as costas à outra.


Assim passaram por mim e sumiram na distância.


Eu me pus a recordar como eram as minhas voltas para casa, depois da
aula, em minha adolescência:


Caminhar, esperar o ônibus, sentar, observar a janela... tudo em absoluto
silêncio.


É certo que por vezes eu estive ansioso para chegar, tirar o uniforme,
encontrar os amigos da rua... mas não havia nada que eu pudesse fazer
para chegar mais rápido. Não estava a meu alcance alterar o ritmo daquele
percurso.


Acostumei que, naquele momento do dia, eu tinha que me aquietar; e
cotidianamente repeti aquela viagem em silêncio, apenas observando o
que havia em volta...


Hoje, recordo aqueles percursos onde "não havia nada para fazer"
como alguns dos momentos mais gostosos de minha juventude. Pode parecer
um contra-senso... mas, talvez, a correria dos outros momentos tenha
sido tão grande, que eu nem os tenha percebido passar. Na escola não
havia um instante para respirar. Em casa havia os amigos, milhares de
coisas para fazer, a televisão... Talvez aqueles surrados percursos
de ida e volta tenham sido os únicos instantes em que eu realmente estive
comigo; e até hoje eu me lembro nitidamente de alguns dos pensamentos
que ali me ocorreram.


É claro que durante as viagens eu não tinha nada de "urgente"
para dizer a ninguém. Mas se eu tivesse tido em mãos um "artefato
fantástico" como um "telefone celular", com certeza "coisas
urgentes" teriam surgido, e aqueles importantes momentos de que
hoje me recordo, jamais teriam existido.


É curioso como o tempo altera as coisas. Olhando para trás, descobrimos
que quase tudo que imaginávamos "urgente" tinha na verdade
muito pouca importância, e que algumas pequenas coisas que pareciam
"insignificantes" eram tudo o que realmente importava.


Observo minha cachorrinha, que passa grande parte do dia apenas deitada
no sofá: alerta, mas sem fazer absolutamente nada. Para o mundo globalizado
de hoje, isso parece uma inaceitável "perda de tempo", mas
eu, lentamente, começo a compreender que isso é a Vida!


Nós, humanos, parecemos ter uma inclinação para evitar esses momentos
de introspecção, que são a Vida, e buscarmos incessantes distrações:
tvs, celulares, computadores, "comunicação"...


Não é irônico que toda essa "comunicação" acabe nos afastando
de nós mesmos... e das outras pessoas... e, em última instância, do
mundo?


Eu passo meus dias em um turbilhão, na internet, cuidando da Casa da
Cultura, conectado com os quatro cantos do mundo. Mas quando o dia termina
tenho a nítida sensação de que não fiz absolutamente nada, e, acima
de tudo, de que não vivi!


Outro dia, minha filha Talita, de dois anos, começou a chorar na hora
de dormir. Para acalmá-la, eu fiz com minha mão um nosso conhecido personagem
que chamamos de "o bicho". Ela parou de chorar, abraçou "o
bicho", e se acalmou. Mas não dormiu. Por mais de uma hora eu fiquei
ao lado do berço, de braço estendido, oferecendo-lhe a companhia do
"bicho".


Daqui a vinte anos, sei que nada lembrarei dos milhares de dias que
passei em atividade frenética na internet... mas jamais esquecerei daquela
hora de absoluta quietude, no escuro, com minha filha e "o bicho".


Devemos ter cuidado com os "fantásticos recursos" do mundo
moderno. Pois a Vida que existe em cada um de nós não precisa deles,
mas precisa absolutamente do tempo que eles roubam de nós.



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