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O OFICIO
(Henrique Leitão)

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O ofício
A História da Ciência é uma disciplina intelectual particularmente exigente. É, como já algumas vezes foi definida, uma "investigation of difficult things". Praticá-la requer o domínio seguro de um ofício, uma craftsmanship, cuja aprendizagem é difícil e cuja mestria só se vai conseguindo ao longo de toda uma vida de trabalho e estudo. Quem se queira iniciar nestes estudos deve, antes de mais nada, preocupar-se em adquirir estas capacidades técnicas, que nenhuma formação tradicional só por si proporciona. Para auxílio dos que se iniciam, e tendo em mente sobretudo os alunos que pretendam dedicar-se à História da Ciência a um nível pós-graduado, deixam-se aqui alguns conselhos.


Antes de mais nada, parece muito difícil (embora alguns, raros, o tenham conseguido) entender qualquer problema de História da Ciência sem um domínio muito seguro dos aspectos científicos em questão. Conhecimentos de Matemática, Física e Biologia pelo menos ao nível dos primeiros anos de uma licenciatura científica são quase sempre indispensáveis. Os que têm, ou tiveram, alguma participação em trabalho de investigação científica, mesmo medíocre, terão a grande vantagem da sua familiaridade com um tema científico concreto, e de conhecer por experiência o modo mental, as atitudes, e o processo da criação científica. É sem dúvida uma vantagem, mas está muito longe de ser suficiente.

Em muitos casos o aluno só ganhará algum entendimento profundo se tentar repetir os procedimentos científicos que são o seu objecto de estudo histórico. Um aluno que nunca se debateu com o problema de estimar e controlar os erros numa medição científica dificilmente entenderá qualquer texto de ciência experimental, ou qualquer questão de história dos instrumentos científicos. Um aluno que nunca demonstrou, por si próprio, algum resultado matemático nunca compreenderá o fascínio e a exuberância que essa actividade encerra. Um aluno que nunca presenciou uma dissecação dificilmente entenderá a importância de Vesálio.

É também muito difícil, se não de todo impossível, qualquer entendimento da história científica sem uma considerável bagagem de conhecimentos históricos, cujo volume e profundidade transcendem em muito o que se pode aprender numa licenciatura universitária nos dias de hoje. Em particular, os aspectos de história das ideias e das instituições educativas e de cultura devem ser conhecidos em grande profundidade. Mas temas aparentemente tão diversos, como a história eclesiástica ou a história militar, podem vir a revelar-se absolutamente centrais.

Na Europa, e certamente em Portugal, a vida de cultura esteve durante tantos séculos tão intimamente ligada à vida do Cristianismo que é essencial uma sólida formação em História da Igreja e consideráveis conhecimentos de Filosofia e Teologia cristãs. Todos os debates em torno de questões biológicas tiveram importantes implicações filosóficas e religiosas, e é impossível qualquer compreensão das polémicas relacionadas com o atomismo, e a sua difusão na Europa da Idade Moderna, por quem não entenda a noção cristã de transubstanciação e a natureza da Eucaristia.

O aluno que não esteja suficientemente familiarizado com a mitologia grega, a história do império romano e os relatos bíblicos, nunca entenderá o mundo mental de qualquer homem culto, educado na Europa até ao século XX. E um desconhecimento da arte, da música e da literatura do período em estudo pode muito facilmente conduzir a incompreensões e equívocos infelizes.

O estudo de alguns temas determinados poderá exigir ao aluno profundas incursões em assuntos que são estranhos, ou mesmo antagónicos, à Ciência dos nossos dias. Não há qualquer compreensão possível da História da Astronomia sem conhecimentos de astrologia, nem da História da Química sem conhecimentos de alquimia. O aluno deve estar sempre preparado para estas incursões, por mais obscuros e complexos que sejam os temas que se veja forçado a estudar.

Algumas das denominadas 'disciplinas auxiliares da História' são de uma importância crucial. Os conhecimentos de Bibliofilia (e, mais geralmente, de História do Livro) são particularmente importantes, e em muitos casos os conhecimentos de Paleografia serão indispensáveis.

As exigências linguísticas são também bastante grandes. Para além de uma indispensável fluência em inglês e francês, o aluno que não domine igualmente o espanhol, o italiano e o alemão, apresentará sempre limitações dificilmente ultrapassáveis. Para qualquer assunto de cultura erudita europeia até ao século XIX, o conhecimento de Latim é absolutamente indispensável e o seu desconhecimento deveria ser eliminatório. Evidentemente, estudos específicos (de ciência árabe ou chinesa, por exemplo), requerem capacidades linguísticas fora do normal.

Os que se iniciam nunca deverão eleger como tema de investigação uma grande figura científica, uma instituição de grande influência, ou um debate central à história da Ciência. Propor a um aluno um estudo da mecânica de Galileu, da história da Royal Society, ou das controvérsias sobre os fundamentos da matemática é um convite aberto ao disparate.

Um conhecimento da melhor literatura secundária é essencial, mas o aluno deve estar bem prevenido dos riscos envolvidos. O estudante que se inicia deve ter sempre presente que é francamente preferível produzir um trabalho modesto e mesmo incompleto sobre algum aspecto restrito, do que repetir as apreciações gerais da historiografia (que, aliás, qualquer profissional do ofício já conhecerá), ou, pior ainda, dar roupa nova a velhos erros historiográficos.

As amplas sínteses históricas bem como as especulações teóricas e as análises conceptuais estão totalmente vedadas ao aluno. Este tipo de trabalhos estão reservados não apenas à idade madura, mas além disso exigem talentos muito especiais e pouco comuns. São raros os historiadores que conseguem abarcar períodos seculares com um mínimo de segurança, coerência e lucidez, e têm-se destruído muitas florestas para produzir o papel de livros que não acrescentaram qualquer esclarecimento.

Por razões semelhantes é fútil e prejudicial pedir a um aluno com poucos anos de ofício que se pronuncie sobre as querelas que parecem afligir há décadas a profissão: continuismo/descontinuismo; internalismo/externalismo; construtivismo, etc. Na maior parte dos casos estas polémicas são tratadas insipidamente e com total inutilidade. Quando não, são extremamente complexas. Em qualquer dos casos, não se recomendam aos recém-chegados.

Em História da Ciência são pecados capitais o anacronismo, a apreciação vaga, o desprezo pelos materiais primários, e os julgamentos sumários sobre períodos largos. A insistência em pretender moralizar sobre figuras do passado, obsessivamente escolhendo os "bons" e os "maus", e trazendo os mortos aos tribunais dos vivos, é uma grave doença intelectual que revela uma mente panfletária, completamente imprópria para qualquer estudo histórico sério. É obrigação moral de um professor recomendar um outro modo de vida ao aluno que incorrer repetidamente nestas faltas.

A linguagem pouco clara, atafulhada de jargão pseudo-intelectual, e buscando a "problematização" como um objecto querido, revela quase sempre presunção e ignorância, e até, em alguns casos, deterioração mental. A realidade histórica é já de si suficientemente complicada, e torná-la ainda mais opaca é prestar um mau serviço.

A humildade é, em História da Ciência, uma virtude tão indispensável como em qualquer outro aspecto da vida. O aluno deve ter sempre em atenção que, mesmo dando como seguro que há sentido em falar de objectividade histórica, o passado é sempre de acesso muito difícil e a sua apreciação muito problemática. Quando bem informada, a moderação nos juízos é sempre sinal de compreensão.

Finalmente, é uma obrigação de justiça que o professor recorde aos seus alunos que raríssimos foram os historiadores de ciência que alcançara



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