O sujeito versus felicidade
(revista de psicanalise- Freud)
Sujeito x felicidade Para Freud, o desejo é o que põe em movimento o aparelho psíquico e o orienta segundo a percepção do agradável e do desagradável. O desejo nasce da zona erógena do corpo, e sem se reduzir ao corpo (soma) somente pode se satisfazer apenas parcialmente. Como já foi dito, ele realiza-se no movimento de querer-mais-e-mais. Como formula Lacan, "O desejo é sempre o desejo de um outro desejo". O desejo humano é algo sempre adiado, é intervalar. O desejo vive de sua insatisfação, resguardada esta estranha função: a função de insatisfação" (MASOTTA, 193: 83-4 – grifo nosso). O desejo jamais é satisfeito porque tem origem e sustentação da falta essencial que habita o ser humano, daquilo que jamais será preenchido e, por isso mesmo o faz sofrer, mas também o impulsiona para buscar realização – ou satisfação parcial – no mundo objetivo ou na sua própria subjetividade (sonhos, artes, projetos utópicos, fé no absoluto, etc). O que entendemos por sujeito é construído desse circuito onde a libido sempre tem um excesso que sustenta o movimento desejante. O sujeito em psicanálise é dividido; o sujeito não é o in-divíduo (ver nota de rodapé n. 2). Com o sujeito, faz surgir uma história com seus atos de melhoria e transformação. "É pela ação de assimilar o objeto que o homem se vê como oposto ao mundo exterior. O primeiro desejo é um desejo sensual: o desejo de comer, por exemplo, através do qual o homem procura suprimir ou transformar o objeto assimilando-o"(GARCIA-ROZA,1983: 141). A afirmação freudiana que diz que "o mundo é movido pela fome e pelo amor" também traz sérias conseqüências práticas, para além da biologia, da psicologia, da política, etc. Somente um pensamento complexo que está por ser inventado poderá dar conta dessa questão. Evidentemente, o sujeito humano sempre buscou, para si e para todos, primeiro, a sobrevivência física e, depois, a realização de alguns projetos para além da necessidade, representados pelos sonhos, a arte e os projetos políticos utópicos[8]. Entretanto, é preciso reconhecer que é na dimensão onírica que o desejo se realiza, por meio do disfarce. Só assim ele pode ser feliz. Porque, na dimensão concreta da realidade, jamais o sujeito poderá conquistar a felicidade. A realidade do mundo, dos acontecimentos e dos fatos, sempre frustra nossa capacidade desejante de preenchimento ou a sensação de ser feliz. Portanto, não podemos associar a satisfação das necessidades com a felicidade. A arte, a política, a fé religiosa ou laica, prometem, mas não cumprem a aspiração de proporcionar felicidade ‘realista'ao ser humano, porque ele está a priori condenado a insatisfação, a angústia e deve se contentar apenas com os momentos de satisfação parcial ou realização ilusória. Talvez, o sujeito humano pudesse estar mais próximo da felicidade quando sonha ou elabora projetos de uma vida feliz. Desde Agostinho, passando por Leibniz, e Spinoza, a falta essencial está associada ao "mal radical" do ser humano[9]. Não porque ele é um ser diabólico, mas porque é um ser eternamente propenso a buscar, buscar, buscar. Este estado de ‘mal-estar' do ser humano fundou a cultura ou civilização. Imperfeita em todos os aspectos, esta civilização faz surgir movimentos diversos visando melhorá-la ou destruí-la, para reconstruí-la em outras bases. O mal-estar de nossa civilização nada mais é, segundo Freud, que o reconhecimento de que estamos condenados a uma economia libidinal baseada no mais-gozar. Enquanto a mais-valia sustenta a economia capitalista, em Marx, o mais-gozar sustenta a economia libidinal do sujeito, em Lacan. É na repetição que o sujeito goza. "E, enquanto goza, é feliz. É feliz tanto na ‘felicidade' – passe a expressão – como na infelicidade, no bem como no mal, no prazer e na dor" (PEREIRINHA, 1997). O desenvolvimento biotecnológico parece prometer uma felicidade que não se cumpre (vide o alto índice de depressivos, apesar do Prozac). A psicanálise não ensina o sentido da vida, mas ao questionahistória e suas escolhas, permite ao sujeito encontrar um sentido para sua vida, do que possa ser as felicidades possíveis, sendo ele o autor de sua própria história. Embora pareça pessimista essa afirmação psicanalítica, não impede que continuamos tendo como meta de vida ser-feliz, não a maneira do desejo dos outros (Kant), que sempre estão prontos para nos empurrar sua filosofia, ciência, fé, ou ideologia política totalitária, fazendo de nossa vida um inferno. A felicidade não pode ser produto de uma alienação, enganação ou delírio. Os recentes estudos sobre a felicidade apontam que ela será inventada por um sujeito que aprendeu a conhecer melhor a si próprio e o mundo em que vive. "Conhecer-se a si mesmo é uma grande valia para a felicidade, tanto para termos noção mais concreta de nossas potencialidades quanto para sabermos dos nossos defeitos" (DEMO, 2001). O procedimento da auto-análise, sem dúvida, pode conduzir o sujeito para desenvolver a coragem de construir um estilo de vida com autocrítica e compromisso de melhorar alguns aspectos da própria vida e dos outros, também. Alguns estudos confirmam antigas sentenças filosóficas que já apontavam sobre o melhor caminho para a felicidade: o altruísmo e a manutenção das amizades. ("Ninguém pode ser feliz sem amigos", dizia o velho Aristóteles. "As pessoas felizes de nossa época são aquelas que ajudam o próximo", conclui a pesquisa de A. Maslow). Em vez de ficar obsessivamente buscando "a" felicidade, deveríamos sustentar uma certa "alegria de viver"[10] no nosso próprio eu, e que pudesse ser irradiada para também animar o próximo. Seria uma "alegria que nasce da verdade" ou sabedoria[11].
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