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A Letra e a Anomia Pós-moderna
(Affonso Romano de Sant’Anna)

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Em 1972, portanto, na pré-história dos computadores, escrevi um ensaio intitulado “A antiga relação entre a escrita e a ideologia”(1), no qual desenvolvia basicamente as seguintes idéias: a história da escrita pode ser compreendida em três instantes: - a criação da escrita primeira ou escrita- sujeito, - a escrita segunda ou escrita-objeto - e o desenvolvimento de uma escrita terceira, que ultrapassa o sistema de letras do alfabeto. A escrita primeira, ou escrita-sujeito, é a escrita sagrada, onde o Criador traz diretamente seu texto aos homens através da voz de um profeta, de um poeta ou até mesmo através do suporte de uma pedra onde se inscreve a verdade.E essa verdade escrita vem do alto, é revelação a escolhidos. A escrita segunda, ou escrita-objeto, é já uma escrita profana.A diferença entre a escrita sujeito e a escrita objeto assemelha-se à distância entre o pergaminho e um pocket-book, entre a edição princeps e uma publicação em folhetim. Enquanto a escrita primeira trazida por Moisés nas tábuas da lei verticaliza a relação entre o indivíduo e o sobrenatural, a escrita segunda horizontaliza, instrumentaliza e organiza humanamente a comunidade. Já a escrita terceira, dizia eu naquele ensaio -quando não sonhávamos com a Internet - “ultrapassa o sistema de letras do alfabeto. É o texto além do livro e da letra, uma certa escrita tecnológica desenvolvida nos computadores e laboratórios, signos e sinais novos configuradores de um novo saber para uma idade planetária” . A escrita já não é mais horizontalizante apenas como ocorreu com a irradiação do universo de Gutemberg, que possibilitou a disseminação do livro, popularizando a palavra divina (e profana), até o ponto em que qualquer pregador semi-letrado do subúrbio pudesse fundar sua seita. O texto-sujeito era inseparável da voz do seu emissor, o profeta. Também inseparável o era da voz do filósofo. Moro do lado de uma favela num dos bairros mais requintados do país.Várias vezes já vi inscritas em seus muros ( até na lixeira que acumula tudo o que do alto do morro vem), frases encimando uma bandeira nacional pintada no muro: “Queremos paz”, “Rio eu te amo” “ Brasil, campeão do mundo”. Isto nos conduz a uma questão, ao chamado “ mundo das letras”, não ao ambiente literário especificamente, mas ao contexto onde interagimos com a escrita e com a leitura. E isto recai em outro tópico de que tratei em outras oportunidades- o fato de que em nossa sociedade hoje, além do anfalbetismo convencional, além do analfabetismo funcional, há o analfabetismo tecnólogico, que faz com que estejamos reaprendendo diariamente novas linguagens. Se ao tempo da escrita primeira- escrita divina, verticalizante, havia uma escassez de textos e informação, se ao tempo da escrita segunda , escrita burguesa e mercantilista havia já uma expansão horizontalizante e folhetinesca do saber, agora, ao tempo dessa escrita terceira ingressamos, pela superabundância de informação, no bizarro universo da anomia escrita.
Pode-se também falar do cânone artístico ou específicamente literário como o fez Harold Bloom, ao exigir um retorno aos clássicos em reação à entropia gerada, nas universidades americans, pelos chamados “ estudos culturais”. Também se poderia desenvolver antropologicamente esse tópico enfocando a perda de identidade cultural de que são vítimas os indivíduos que migram do campo para a cidade e ficam perambulando pelos subúrbios e favelas, os quais tendo aberto mão de um saber e de uma cultura nem sempre adquirem algo em seu lugar.Dir-se-ia, diante do triunfalismo da eletrônica e da informática, que alcançamos a porta do paraíso.E isto não diz respeito à ignorância apenas em relação à dieta, aproveitamento de folhas e legumes, mas diz respeito ao desconhecimento que têm até da maneira como devem usar a pílula anticoncepciona. Minha mulher detetou em algumas delas uma síndrome perturbadora: o regozijo do não saber, o júbilo da ignorância. Pois apesar das explicações didáticas sobre esses e outros assuntos, volta e meia, aparecem com uma frase onde revelam que vão manter seu comportamento e suas idéias antigas, porque desconfiam do “saber” dos letrados.E aqui não se trata da poesia enquanto o sagrado da primeira escrita, senão a linguagem que por ser poeticamente reunificadora potencializa amorosamente consciência humana e é capaz de vencer a anomia dos tempos atuai



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