Diário de Notícias
(Andréa Dantas)
“Coimbra será sempre um lugar de escrita” O Diário de Notícias de 15/08/2007 prestou uma homenagem à Pedro Marqués que de Armas desfolha amanhã dia 16 mais uma página difícil da sua vida. Diz um adeus emocionado a Coimbra e voa para Barcelona, onde vai voltar a ser médico psiquiatra.
Já não é propriamente o homem distante e até desconfiado que, há mais de dois anos atrás, chegou a Portugal com o estatuto de primeiro escritor exilado a permanecer em Coimbra ao abrigo da Rede Europeia das Cidades Refúgio. Da timidez resta o olhar, mas, embora não tenha conseguido dominar a Língua Portuguesa, que confessa ser «muito difícil», já consegue expressar sem desconfianças o que lhe vai na alma, mesmo que estejamos a falar, como em 2005, de saudade.
É este, a saudade, o sentimento com que Pedro Marqués de Armas deixa amanhã a Coimbra que o acolheu durante exactamente dois anos e quatro meses. O projecto da Rede Europeia das Cidades Refúgio terminou no final do ano passado, o escritor ainda permaneceu na cidade durante mais oito meses, mas agora vai seguir a sua vida em Barcelona, onde se vai dedicar à actividade profissional que mais o fascina e para a qual se formou, a psiquiatria.
Não será fácil a despedida. Também ele já tem no coração o romantismo das águas do Mondego e a beleza das pequenas ruas da Baixa da cidade, tal como confessou ontem, numa conferência de Imprensa onde, sem disfarçar a emoção, se despediu formalmente da Casa Municipal da Cultura, aquela em que, durante muitas e muitas horas, se dedicou a procurar memórias literárias e até visuais da Cuba que foi obrigado a deixar há já cinco anos.
Coimbra inspirou a sua escrita e marcou a sua vida, de tal maneira que promete voltar em breve, e várias vezes. «Barcelona não fica assim tão longe…» e afinal, tal como havia prometido em Abril de 2005, quando chegou, não só fez muitos amigos em Coimbra, não só se dedicou a vários projectos culturais da cidade, como também escreveu aqui dois livros que pretende lançar em breve, na cidade que o acolheu durante um período importante da sua história enquanto escritor.
«Coimbra será sempre para mim lugar de escrita», confessou ontem. A saída do seu país, em 2002, foi forçada e deixou marcas que não se apagaram durante a permanência em Toscana, em Itália. Só aqui teve condições para recomeçar a escrever, para sonhar com uma Cuba livre através da poesia a que já não se dedicava há muito tempo e que é, sem dúvida, o seu género literário de eleição.
Há dois anos, quando chegou a Coimbra, confessou que fazer poesia era como «se estivesse em Cuba», por isso, desde que chegou, precisamente a dois dias de Portugal comemorar a liberdade que sonha para o seu país, Pedro Marqués de Armas fez muitas viagens à terra que continua a amar, onde está quase toda a família e amigos e a que ainda não perdeu a esperança de voltar, já num regime democrático.
Para já não é possível. Por isso, é tempo de mudar a página, de agradecer a hospitalidade de Coimbra, o apoio da autarquia, de funcionários da Casa Municipal da Cultura que o acompanharam e à família, e de dedicar-se à psiquiatria, uma profissão que foi obrigado a abandonar em Cuba e que o preenche enquanto médico. «Estou há muito tempo sem exercer Medicina, tenho vontade de voltar a fazê-lo», afirmou. Inicialmente ainda pensou que o pudesse fazer em Portugal, talvez em Coimbra, mas depois a burocracia, o tempo que teria de esperar, e, por outro lado, a facilidade de estar num país onde falam a “sua” língua, o espanhol, ajudou a decidir.
Uma decisão que, como garantiu ontem, «não foi nada fácil». «Estou há mais de dois meses a sentir a perda de Coimbra», confidenciou, garantindo que na sua mente levará sempre o sentimento de que está «a perder algo, o Mondego, as ruas estreitas da Baixa» e especialmente o contacto com os muitos amigos que fez.
A grande maioria faz parte da «amizade literária», “angariada” nas várias iniciativas culturais em que participou, em Coimbra e um pouco por todo o país, nos projectos a que se dedicou (está, por exemplo, a escrever um livro em parceria com Catarina Couto) e especialmente na Oficina da Poesia, na Faculdade de Letras, a que aderiu logo em 2005 e que hoje considera «o lugar mais acolhedor para a minha escrita e para interagir com os poetas da cidade».
De Coimbra leva as melhores recordações culturais. «É, sem dúvida, uma cidade de cultura, embora lhe falte intensidade a nível cultural», constatou, recordando os escritores portugueses que teve oportunidade de ler, de conhecer e até de viver, inspirando-se neles para enriquecer uma vida literária dividida entre livros sobre a História da Psiquiatria em Cuba e a poesia.
Mário Nunes não deixou de encontrar em Pedro Marqués de Armas um paralelismo com dois dos mais importantes nomes da literatura portuguesa, Miguel Torga e Fernando Namora. «Também eles eram médicos e escritores», recordou o vereador da Cultura da autarquia, confessando a tristeza «pessoal,por vê-lo partir».
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