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Do Intratável
(Felipe Pereirinha)

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Tenho ouvido também, ultimamente, a seguinte frase, dirigida ao meu filho pequeno: "Hoje estás intratável!" Neste caso, o intratável diz respeito, simultaneamente, quer ao objecto do desabafo (o meu filho que se torna, em certos dias, difícil de aturar), quer ao sujeito do mesmo (o qual, impotente e desalentado, não sabe, nessas ocasiões, como lidar com ele). Freud, em 1937, parece encontrar-se numa posição um tanto ou quanto análoga a esta; não porque tenha de cuidar de uma criança pequena, mas porque a sua invenção, a psicanálise, que entretanto crescera e se expandira, chegou, do ponto de vista clínico, a uma espécie de obstáculo intransponível (intratável) contra o qual vem embater a análise, que arrisca tornar-se, por isso, interminável. Os dois sexos, cada qual à sua maneira (o homem recusando permanecer passivo diante de um outro homem e as mulheres mantendo, no inconsciente, o que Freud chama a inveja do pénis), recusariam, desta forma, a castração que os feminizaria. Esta rocha da castração (como Freud lhe chama) constituiria, assim, uma espécie de limite insuperável do percurso analítico. De tal forma que Freud é levado a perguntar – questão que analisa ao longo de todo o artigo – se, finalmente, a análise tem ou não tem um fim. A palavra fim não é aqui unívoca: tanto pode significar uma mera interrupção do tratamento (sem que o mesmo tenha chegado a uma conclusão lógica) como, igualmente, o alvo que é visado, por princípio, numa análise; a saber: levá-la até às suas últimas consequências. Seja como for, o obstáculo anteriormente assinalado (a castração) parece dar conta de um impasse que, por esta altura, se mostrava sem fim à vista. No entanto, talvez seja pertinente colocar, desde logo, a seguinte questão: será a psicanálise, enquanto tal, que se mostra aqui sem fim (interminável), ou é, pelo contrário, a sua vocação terapêutica (de curar) que é posta em questão? No dizer de Freud, aquilo que se visa é apenas "(...) explicitar os limites que existem para a eficácia da terapia analítica." Uma tal formulação estabelece, desde logo, uma diferença entre a psicanálise propriamente dita e as psicoterapias. Isto não significa pretender que a psicanálise não tenha efeitos terapêuticos, simplesmente esses efeitos vêm por acréscimo e não constituem o seu princípio ético. É o incurável (como princípio) o que é visado numa cura propriamente analítica, na medida em que esta diz respeito – como assinalava Lacan em 1955 – "ao que há de mais particular no sujeito". É esta singularidade radical – ou esta "diferença absoluta" (como lhe chama Lacan no final do seminário de 1964) – que faz objecção a toda a ética do bem comum. Talvez não fosse, por isso, inteiramente descabido falar aqui do "intratável" da singularidade. A princípio, porém, se voltarmos a Freud, as coisas eram um pouco diferentes. Ao pessimismo dos últimos escritos (apoiado na rocha da castração), correspondia, nessa altura, um optimismo triunfante. Freud acabara de inventar, com a psicanálise, um meio de tratar o que até aí permanecera basicamente intratável. Para tal, bastara supor uma causalidade psíquica para aquilo que, do ponto de vista médico, permanecia estranho e incompreensível: o sintoma neurótico. Nestes primeiros tempos, a psicanálise apresenta-se, assim, como uma nova psicoterapia. De facto, o que preocupa Freud, por esta altura, não é tanto separar a psicanálise da psicoterapia (ainda que haja o cuidado de especificar a psicoterapia analítica relativamente aos métodos sugestivos usados por outros), mas, acima de tudo, de distinguir entre a psicanálise e a medicina. Em vez de uma intervenção directa sobre o corpo ou da suposição de uma causalidade anatómico-fisiológica, a terapêutica analítica funda-se, desde logo, na causalidade psíquica e na hipótese do inconsciente. É sobre esta base que Freud vai construindo o edifício desse novo método de tratamento que ele inventara. Contudo, após a euforia inicial, Freud depara com algo de que não estava à espera. Contrariamente a toda a expectativa – visto que eles se queixam dos seus sintomas, como um corpo estranho que os incomoda e embaraça – os doentes resistem à cura. No capítulo V da "Questão da Análise Profana" – texto de 1926 – Freud não deixa de realçar esta estranheza, ao resumir o que se passa genericamente numa análise. O sujeito vem queixar-se, perante o psicanalista, das suas misérias (do que não vai bem na sua vida) e este promete-lhe a cura, desde que ele se submeta à regra fundamental que manda dizer não importa o quê. Ora, é precisamente ao longo deste processo, necessariamente complexo e demorado, que o psicanalista encontra algo de espantoso: "o doente não quer sobretudo curar-se", ou então: "ele quer seguramente curar-se, mas ao mesmo tempo não quer." Esta estranha resistência à cura (quando tudo parecia indicar o contrário) vai receber, em 1923, no capítulo V do artigo intitulado "O Eu e o Isso", o nome de reacção terapêutica negativa. É, se quisermos dizer as coisas assim, um dos nomes freudianos do incurável



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