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A Conversão do Diabo
(Leonid Andreiev)

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Numa igrejinha de interior, pregava um velho e bondoso padre. Ali morava também um diabo de segundo escalão, um “diabinho”. O diabo fazia pequenas maldades (sugeria maus pensamentos, deixava o coroinha com sono, derrubava a santa), mas, depois de cumpridas as tarefas do dia, ele gostava de se sentar num cantinho e ouvir o sermão. Já cansado da vida de diabo e das visitas ao inferno (onde todo mundo mente demais), ele começava a querer outra vida. E, de tanto ouvir os sermões do padre, interessou-se pelo Bem.
Assumindo a forma humana, o diabo se apresentou ao velho padre e pediu que ele lhe ensinasse o que é o Bem. Para que conseguisse entender, seria necessária uma fórmula única, abrangente, que explicasse a bondade de uma vez por todas. O padre pensou um pouco e disse que o segredo do Bem é o Amor. O diabo devia amar ao próximo como a si mesmo. O diabo, porém, não ficou satisfeito. Ele não conseguia compreender o que era amar, desconhecia esse sentimento e, assim, não era ele que poderia torná-lo bom. Seria necessária uma fórmula prática e simples, alguma norma geral de conduta.
O padre pensou durante uma semana. Então chamou novamente o diabo e disse que tinha encontrado dois preceitos práticos: “Se te pedem a camisa, dá-a, embora não tenhas outra” e “Se te dão uma bofetada na face direita, oferece igualmente a esquerda”. O diabo animou-se e disse que seguiria aquelas normas para, finalmente, ser bom. Duas semanas depois, ele reapareceu todo arrebentado e com uma camisa nova em folha. Contou que, primeiro, meteu-se numa briga. O opositor bateu-lhe em várias partes do corpo, mas não na face direita. Ele, portanto, revidou. Quanto à camisa nova, o diabo a comprara para dar ao primeiro que lhe pedisse. Porém, pediram-lhe muitas coisas (como pão e dinheiro), mas nunca a camisa. Assim, não deu nada. Para completar, o diabo assistiu ao afogamento de um homem sem nem pensar em ajudá-lo. Isso porque o padre não tinha lhe dito o que fazer num caso desses. O diabo, enfim, parecia incapaz de entender o que é o Bem.
O padre ainda tentou outra fórmula: “Não te oponhas ao Mal”. Também foi um fiasco. O diabo assistiu enquanto dois bandidos matavam mãe e filho numa estrada e nada fez para ajudar os infelizes. Entendendo tudo ao pé da letra, ele não entendia nada.
Desanimado, mas com pena do pobre diabo, o padre permitiu que ele ficasse trabalhando na igreja. Enquanto o diabo trabalhava, o padre escrevia um manuscrito interminável, tentando prever todas as situações possíveis da vida. A idéia do padre era dá-lo de presente ao diabo antes de morrer. E, assim, os anos foram passando.
Um dia, o padre já muito doente, de cama, esperava a morte. Ele chamou o diabo e deu-lhe o precioso manuscrito. O texto dizia: “Não matarás, porém se for necessário, mata; Não mentirás, porém, se for preciso, mente; Dá tudo o que tens ao próximo, porém, algumas vezes, tira-lhe o que possui...”; e assim por diante, em tudo o mais. Não havia uma lei definitiva. Era tudo relativo. O diabo ficou muito decepcionado. Assim, jamais aprenderia o que era o Bem.
Da cama, o padre tentava, pela última vez, olhar a paisagem através de uma janelinha. O diabo teve uma idéia. Carregou o velho nos braços até a torre da igreja. Lá de cima, o padre teve a emoção de ver, pela última vez, a cidade que tanto amava. Junto com o sol que se punha, a vida do padre se extinguiu.
Desesperado, o diabo se esforçou por despertá-lo, mas o padre já estava morto. Uma dor profunda apoderou-se da alma do diabo e, pela primeira vez na vida, ele chorou. Ao fazer isso, não compreendeu que, precisamente naquele instante, se realizava o Bem, esse Bem intangível e misterioso, que ele procurara com tanto afã e a custa de tantos e tão grandes sofrimentos.



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