BUSCA

Links Patrocinados



Buscar por Título
   A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z


Cego e amigo Gedeão à beira da estrada
(Moacyr Scliar)

Publicidade
Este conto, bastante irônico, serve para apresentar o estilo do médico e escritor Moacyr Scliar. Observador atencioso da realidade, Moacyr tanto pode se basear em fatos de jornais quanto no imaginário. A partir desta semente, passa a escrever. Pode ser o meio, o começo ou o fim de uma história. Após reunir um certo número de anotações ele redige a primeira versão da história, sempre a mão. Pois ele diz: " acredito ser a mão um instrumento mais sensível para a palavra escrita. Depois é que eu datilografo, uma, duas, três, ou mais vezes, até que o texto me pareça razoavelmente bom. Sou um perfeccionista que busca a palavra certa e o ritmo exato."Este que passou agora foi um Volkswagen 1962, não é amigo Gedeão?Não, Cego. Foi um Simca Tufão.Um Simca Tufão?... Ah sim, é verdade. Um Simca potente. E muito econômico. Conheço o Simca Tufão de longe. Conheço qualquer carro pelo barulho da máquina.Este que passou agora não foi um Ford?Não, Cego. Foi um caminhão Mercedinho.Um caminhão Mercedinho! Quem diria! Faz tempo que não passa por aqui nenhum caminhão Mercedinho. Grande caminhão. Forte. Estável nas curvas. Conheço o Mercedinho de longe... Conheço qualquer carro. Sabe a quanto tempo sento à beira desta estrada ouvindo os motores, amigo Gedeão? Doze anos, amigo Gedeão. Doze anos.É um bocado de tempo, não é , amigo Gedeão? Deu pra aprender muita coisa. A respeito de carros, digo. Este que passou não foi um Gordini Teimoso?Não, Cego. Foi uma Lambreta.Uma Lambreta... Enganam a gente, estas lambretas. Principalmente quando deixam a descarga aberta. (...)Esta habilidade de muito me valeu, em certa ocasião... Este que passou não foi um Mercedinho?(...)Disse só pra chatear. Mas onde eu estava? Ah, sim.Minha habilidade já me foi útil.Quer que eu conte, amigo Gedeão? Pois então conto. Ajuda matar o tempo, não é? Assim o dia termina mais ligeiro. Gosto mais da noite: é fresquinha, nesta época. Mas como eu ia dizendo: há uns anos mataram um homem a dois quilômetros daqui. Um fazendeiro muito rico. Mataram com quinze balaços. Este que passou não foi um Galaxie? Não. Foi um Volkswagen 1964. Ah, um Volkswagen... Bom carro. Muito econômico. E a caixa de mudanças é muito boa. Mas então mataram o fazendeiro. Não ouviu falar? Foi um caso muito rumoroso. Quinze balaços! E levaram todo dinheiro do fazendeiro. Eu naquela época já costumava ficar sentado aqui na beira da estrada, ouvi falar do crime, que tinha sido cometido num domingo. Na sexta-feira, o rádio dizia que a polícia não sabia nem por onde começar. Este que passou não foi um Candango?Não, Cego, não foi um Candango.Eu estava certo que era um candango... Como eu ia falando, na sexta, nem sabiam por onde começar.Eu ficava sentado aqui, nesta mesma cadeira,pensando, pensando... A gente pensa muito. De modos que eu fui formando um raciocínio. E achei que devia ajudar a polícia. Pedi ao meu vizinho para avisar ao delegado que eu tinha uma comunicação a fazer. Mas este agora foi um candango! Não, Cego. Foi um Gordini Teimoso. Eu seria capaz de jurar que era uma candango. O delegado demorou a falar comigo. De certo pensou: "Um cego? O que pode ter visto um cego?" Estas bobagens, sabe como é amigo Gedeão. Mesmo assim, apareceu, porque estavam tão atrapalhados que iriam até falar com uma pedra.Veio o delegado e sentou bem aí onde estás, amigo Gedeão. Este agora foi o ônibus?(...)Boa, esta camionete, antiga, mas boa. Onde é que eu estava? Ah, sim, veio o delegado. Perguntei:"Senhor delegado,a que horas foi cometido o crime?""Mais ou menos as três da tarde, Cego" – respondeu ele. "Então," - disse eu – "O senhor deverá procurar um Oldsmobile 1927. Este carro tem a surdina furada. Uma vela de ignição funciona mal, na frente viajava um homem bastante gordo. Atrás, tenho certeza, mas iam talvez duas ou três pessoas". O delegado estava assombrado. "Como sabe de tudo isto, amigo?" – era só o que ele perguntava. Este que passou não foi um DKW? Não, cego. Foi um Volkswagen. Sim. O delegado estava assombrado. "como sabe de tudo isto?"- "Ora delegado"- respondi. – "Há anos que sento aqui na beira da estrada ouvindo automóveis passar. Conheço qualquer carro. Sem mais: quando o motor está mal, quando tem muito peso na frente, quando há gente no banco de trás. Este carro passou para lá às quinze para às três; e voltou para a cidade as três e quinze" – como é que tu sabias das horas" - perguntou o delegado. – "Ora, delegado" – respondi. – "Se é coisa que eu sei, além de reconhecer os carros pelo barulho do motor – é calcular as horas pela altura do sol." Mesmo duvidando o delegado foi... Passou um Aero Willys? Não, Cego. Foi um Chevrolet.O delegado acabou achando o Oldsmobile 1927 com toda turma dentro. Ficaram tão assombrados que se entregaram sem resistir. O delegado recuperou todo dinheiro do fazendeiro, e a família me deu uma bolada de gratificação. Este que passou foi um Toyota? Não, Cego. Foi um Ford 1956.



Resumos Relacionados


- O Amor é Cego!!! Mesmo!!!

- Agonia Da Noite - Ii

- A Carta Roubada

- O Diabo Veste Prada

- Amigos



Passei.com.br | Biografias

FACEBOOK


PUBLICIDADE




encyclopedia