TURQUIA. NOVO PRESIDENTE, VELHOS PROBLEMAS
(José Goulão)
Abdullah Gul, até agora ministro dos Negócios Estrangeiros, foi eleito presidente da República da Turquia pelo Parlamento de Ancara. É um político assumidamente islamita, o que acontece pela primeira vez num país onde a tradição secular é defendida pelas forças armadas.
Gul foi eleito à terceira tentativa, depois de um processo turbulento que forçou a recente realização de eleições legislativas antecipadas. A consulta foi ganha pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamita, que agora elegeu o seu candidato presidencial por maioria simples.
Abdullah Gul prometeu tornar a Turquia “mais activa” no plano internacional e respeitar o secularismo no país, que data do período seguinte à Segunda Guerra Mundial, quando Kemal Ataturk criou o moderno Estado turco depois do desmembramento do Império Otomano.
Na perspectiva da eleição de um presidente islamita, os militares fizeram uma declaração em defesa da “natureza unitária” do Estado através do chefe das forças armadas, general Yasar Buyukanit. O que parece ser uma advertência contra os “separatistas”, expressão aplicada à minoria curda, é também uma chamada de atenção quanto a eventuais decisões políticas que possam aprofundar a fractura entre seculares e islamitas. Como se os militares avisassem que não pense o presidente em fazer concessões aos curdos, esmagadoramente islâmicos. O presidente tem direito de veto sobre as leis aprovadas no Parlamento e irá conviver com o governo do primeiro ministro Recep Tayyp Erdogan, também ele islamita.
A Turquia entrou assim numa nova fase da sua história, na qual as instituições políticas eleitas democraticamente não estão sintonizadas com a tradição secular do país. Os islamitas desenvolveram durante os últimos anos um complexo processo, durante o qual os seus partidos foram várias vezes ilegalizados por pressão dos militares, até chegarem ao poder.
Nesta nova fase, porém, o que continua verdadeiramente em causa é a dicotomia entre civis e militares, não o antagonismo islamitas-seculares. Os militares turcos ainda mantêm um peso determinante na política turca e por várias vezes assumiram o poder anulando o funcionamento de estruturas democráticas. As forças armadas turcas são consideradas um pilar estratégico da Aliança Atlântica (NATO) e as suas intervenções ditatoriais no país nunca mereceram uma reprovação activa da aliança liderada pelos Estados Unidos da América.
A União Europeia tem prestado mais atenção do que a NATO a esta situação de democracia vigiada pelos militares, facto perceptível pelas dificuldades existentes nas negociações para adesão da Turquia. O presidente da Comissão, Durão Barroso, declarou-se convicto de que a eleição de Abdullah Gul poderá acelerar as negociações de adesão.
É preciso equacionar, e seria bom que a União Europeia o fizesse, que o problema principal não decorre de os islamitas terem chegado ao poder. O problema real da Turquia é a questão curda – em relação à qual os militares têm o papel determinante. Eles lideram a repressão turca contra os direitos nacionais e humanos da minoria curda, calculada em 15 milhões de pessoas. Toda a situação política decorre desse facto.
À luz da defesa do secularismo e do Estado “unitário”, os militares são os verdadeiros senhores do país, impedindo na prática quaisquer evoluções no sentido de um reconhecimento dos direitos nacionais curdos. Este é o verdadeiro nó do problema turco.
O secularismo de Kemal Ataturk impôs-se na Turquia mergulhado no sangue de milhões de arménios chacinados. O secularismo afirma-se hoje sobre a repressão dos direitos curdos.
A chamada “comunidade internacional” já deu mostras de se comover, conforme lhe convém, com os problemas dos curdos do Iraque. Tal incómodo não é perceptível em relação aos curdos da Turquia.
A questão central da Turquia é apenas uma: funcionamento pleno da democracia com reconhecimento dos direitos humanose nacionais da minoria curda. Só nesta situação a União Europeia deveria aceitar negociações de adesão.
Tal princípio deveria funcionar também para a NATO, mas quanto a isso não há que ter ilusões. A Aliança tudo permite aos militares turcos e em nada a incomoda quanto à humilhação sofrida pelos curdos. Assim vai funcionando o “direito internacional”.
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