A PERVERSÃO DO SOCIAL E A DELINQÜÊNCIA
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A PERVERSÃO DO SOCIAL E A DELINQÜÊNCIA :Como vimos, a entrada da criança no mundo, sua assujeitação à civilização - a introdução em um espaço onde outros falam-lhe, interpelam-na, fazem-lhe demandas, ofendem-na, etc - só é possível pela renuncia do gozo narcísico e pela aceitação das satisfações substitutivas que a civilização oferece. Entretanto, vale relembrar, tanto os sacrifícios impostos pela civilização para que a vida em comum seja possível, quanto as satisfações substitutivas ao narcisismo, nunca são plenamente aceitáveis no inconsciente dos homens pois a própria civilização é, em seu cerne, marcada por aquilo que afeta o sujeito do desejo: o recalque. Dito de outra forma: o processo civilizatório, ou se preferirmos o Outro, é aquilo que transforma o gozo em desejo. Por outro lado, cabe também ao processo civilizatório garantir ao sujeito o acesso e a continuidade, por mínimas que sejam, às satisfações substitutivas sem o quê ocorreria um recrudescimento da frustração causada pela renúncia narcísica A inexistência de satisfações substitutivas às moções pulsionais recalcadas, assim como falta de limites ou o excesso de satisfação, podem gerar violência ou atos de delinqüência. A frustração oriunda de tendências pulsionais recalcadas faz com que o psiquismo procure outras formas de descarga de energia como é o caso de alguns comportamentos anti-sociais. Ao mesmo tempo, e aqui se constitui o paradoxo de ser humano, revoltar-se contra a civilização, contra o Outro (contra a cultura, o mundo, as leis), percebê-la como uma instância hostil é revoltar-se contra aquilo que constitui o próprio homem, o que aumenta ainda mais a frustração e a angústia. Da mesma forma que conflitos familiares podem afectar, ou mesmo entravar, a resolução do complexo de Édipo impedindo que o sujeito se situe no simbólico, uma patologia do social, gerada por uma organização político-social perversa que não garante a continuidade do processo civilizatório, pode gerar comportamentos marginais. Exemplo disto ocorre quando, chegado o momento de receber da sociedade o que lhe é devido, os seus direitos fundamentais em troca da renúncia ao princípio de prazer, o sujeito não é acolhido pela sociedade vendo-se impossibilitado de transformar o recalcamento pulsional em força de trabalho. Quando isto acontece, quando o social que deveria garantir o pacto edipiano apresenta-se de forma perversa, é todo universo psíquico do sujeito que corre o risco de romper-se pois não há porque manter a renuncia pulsional quando não se tem nada em troca. O resultado é uma ruptura profunda, por vezes definitiva, com o social. Uma pesquisa feita com crianças da periferia mostra que, como qualquer criança, elas têm sonhos para o futuro baseados em modelos identificatórios: querem ser bombeiros, policiais, médicos, etc. A partir dos 1O/11 anos estes sonhos desaparecem e, grande parte deles são obrigados a roubar, vender drogas, prostituir-se como única possibilidade de sobrevivência. Numa escala mais ampla, temos os assaltos, sequestros, estupros e outras tantas condutas violentas e mortíferas perpetradas por aqueles que não têm nenhuma razão para respeitar as imposições sociais quando a própria sociedade os relega ao degredo. Mas a patologia social pode igualmente propiciar a falta de limite, ou um excesso de satisfação. Atravessamos um momento histórico onde incentiva-se que o sujeito "chegue lá" a qualquer custo. A clínica infantil é rica em exemplos onde os filhos vivem a crença imaginária de ser o objeto exclusivo de amor dos pais (7). Nesta violência mortífera, aos filhos, transformados em imagem idealizada dos pais, pede-se que sejam aquilo que eles - os pais - não foram; que realizem esperanças e elabore lutos sempre presentes em seus- dos pais - núcleos narcísicos infantis. Esta situação de um narcisismo ilimitado, faz com que as sanções sociais e atos de autoridade que, mais cedo ou mais tarde, são impostos, tenham um elevado ônus psíquico, e sejam vivenciados como atentados ao narcisismo. É crescente o número de crianças, principalmente de meninos, que são encaminhados para terapia por apresentarem "problemas de identidade". Desde os primeiros encontros fica claro aquilo que se pode chamar de "qualidade" da relação destas crianças com a figura masculina e, consequentemente, a possibilidade da imago paterna de servir, ou não, de suporte identificatório. Estas crianças exibem, por vezes, comportamentos e preferências ditos "femininos". Entretanto não se tratam de crianças que apresentariam uma orientação homossexual embora esta situação também ocorra. Seriam, antes, meninos que, devido à particularidade de suas constelações familiares, identificaram-se às referências simbólicas que, na nossa sociedade, são atribuidas às meninas. Isto pode ser gerador de angústia nos pais, principalmente nas mães que "cobram" dos companheiros aquilo que eles não podem dar. Digno de nota é o fato que, em muitos destes casos os pais destes meninos estão em crise em relação às referências sociais da masculinidades às quais eles não conseguem corresponder, o que gera angústia. Quando os pais não servem de suporte dos investimentos libidinais, a criança buscará modelos fora do âmbito familiar. Igualmente, para construir seu sistema de valor ético-moral a criança pode tomar, quando faltam-lhe referências no ambiente onde está inserida, aquilo que é valorizado externamente como coordenadas de base. Situações que evocam violência, agressividade, aquelas que sugerem relações baseadas na desconfiança, na falta de solidariedade, na competitividade e outras tantas, podem incentivar comportamentos e propor "valores éticos" divergentes daqueles necessários para a construção de uma estrutura social calcada no respeito e no direito do cidadão. Quanto aos adolescentes, estes buscam modelos durante o período de separação e luto dos modelos familiares. Os carentes de referências encontram nas propostas globalizantes respostas lá onde os pais, e a sociedade, nada lhes propõem, "assegurando" ao sujeito a ilusão de pertencer a um grupo e propiciando-lhes, ao mesmo tempo, uma defesa contra o perigo de se entrar em contato com representações inconscientes de conteúdos ameaçadores. Um exemplo das múltiplas derrapagens é o recurso à droga - ou à violência, à uma sexualidade compulsiva etc. Da mesma forma, alguns movimentos anti-sociais dos adolescentes traduzem bem esta configuração. Em ambos os casos - crianças e adolescentes - quando o mundo interno se encontra mal organizado e pobre em imagos identificatórias, as "soluções" a conflitos internos são procuradas em modelos exteriores. Uma outra forma de manifestação da patologia do social é imposição de padrões identificatórias como insígnias de sucesso e, ao mesmo tempo, a limitação a seu acesso a um grupo restrito. Estes "valores sociais de felicidade" são então transformados em Ideais. Pode ocorrer a criação, entre o Eu e estes "valores-Ideais", de uma distância intransponível que compromete a capacidade de fantasiar do sujeito. A delinqüência pode, mais uma vez, significar uma formação substitutiva que permitem a descarga dos componentes agressivos gerados pela frustração das pulsões recalcadas. * * * Um social patológico gera uma frustração (por vezes inconsciente) que se fecha num circuito perverso. Tanto o caso ocorrido na FEBEM quanto o do assassinato do índio e dos entregadores do pizzas mostram que quando o psiquismo não tem como regular seus movimentos pulsionais, seus recalques fundadores não mais se sustentam. A delinqüência, em suas múltiplas versões, aparece então como uma resposta "sadia" a um social perverso.
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