A intrigante comunicação das bactérias
(Marguerite Holloway)
A professora de biologia molecular Bonnie L. Bassler, 41 anos, estuda as bactérias e o modo como elas se comunicam entre si e com outras espécies. O "quorum sensing", ou percepção de quorum, como o fenômeno é chamado, é uma ciência jovem. Até há bem pouco tempo ninguém imaginava que as bactérias conversassem entre si, muito menos de um modo capaz de alterar seu comportamento. Mas Bassler decifrou alguns dos dialetos - mecanismos genéticos e moleculares que diferentes espécies usam e pode ter identificado uma possivel linguagem universal compartilhada por todas as espécies.Como o nome sugere, o quorum sensing descreve como cada bactéria percebe quantas outras há nas redondezas. Se há presença suficiente (quórum), elas podem agir imediatamente ou decidir "enrolar" mais um pouco. Milhões de bactérias luminescentes são capazes de decidir emitir luz ao mesmo tempo para que seu hospedeiro, uma lula, por exemplo, brilhe - talvez para distrair predadores e fugir. Ou bactérias salmonela podem resolver esperar atingir número suficiente antes de liberar uma toxina que faça o hospedeiro adoecer; se agissem independentemente o sistema imunológico provavelmente as eliminaria. Pesquisadores mostraram que as bactérias também usam o quorum sensing para formar a placa bacteriana nos dentes, corroer cascos de navios e controlar a reprodução e a formação de esporos.Se realmente for assim, as implicações são enormes. O quorum sensing nos remete à evolução. Talvez as primeiras bactérias tenham se comunicado, depois se organizado de acordo com diferentes funções e, finalmente, formado organismos complexos. De forma mais prática, o quorum sensing dá à medicina uma nova estratégia: se destruirmos o sistema de comunicação de bactérias perigosas resistentes a antibióticos, talvez elas não consigam organizar seu ataque eficientemente.O estudo do quorum sensing tem suas raízes nos anos 70, quando J. Woody Hastings e Ken H. Nealson descobriram que uma bactéria marinha, Vibrio fischeri, só produzia luz quando sua população atingia certo número. Se havia poucas bactérias elas não ficavam bioluminescentes. Eles especularam que as bactérias produziam um sinal - denominado auto-indutor - que gritava para as demais. Quando o volume da gritaria aumentava o bastante, o conjunto brilhava. Em 83, Michael R. Silverman identificou os genes do auto-indutor e do receptor da V. fischeri.Bassler começou a trabalhar com Silverman em 1990 e decidiu se concentrar em outra bactéria marinha luminosa, V. harveyi, para descobrir se o sistema era semelhante. Trabalhou criando bactérias mutantes, desativando genes, para ver se conseguia identificar qual fazia a bactéria se iluminar na presença de companheiras, e encontrou. Também descobriu que se retirasse esses dois genes e colocasse a V. harveyi modificada em companhia mista, isto é, perto de grupos de espécies diferentes de bactérias, ela brilhava. Soube então que havia um segundo sistema. As bactérias não têm muito espaço em seu genoma, então deveria haver um propósito específico para esse sistema. As bactérias diferentes estavam emitindo algo a que a V. harveyi respondia, que foi chamado de auto-indutor dois (AI-2). Com o tempo, Bassler e outros mostraram que o quorum sensing deflagra a liberação de toxinas por bactérias como a V. cholerae. E descobriram que cada bactéria testada tinha seu próprio auto-indutor, que usava para se comunicar com seus pares. Bactérias gram-negativas como a Pseudomonas aeruginosa usam várias versões de moléculas AHL (acil-homoserina-lactonas); bactérias gram-positivas como Staphylococcus aureus usam peptídeos.Mas a maioria das bactérias analisadas por Bassler também usava AI-2. Até 97, "vimos que todas aquelas bactérias usavam essa molécula. Então imaginamos que as bactérias deviam ter um jeito de se reconhecer entre as outras." Para Bassler, a idéia de que bactérias diferentes conversam faz todo sentido. "Há 600 espécies de bactérias nos nossos dentes todas as manhãs, e elas formam exatamente a mesma estrutura toda vez: essa vem depois daquela, aquela depois daquela outra. Pareceu-nos que simplesmente não dá para fazer isso se a única coisa que você puder detectar for você mesmo."Bassler e seus alunos purificaram e caracterizaram o AI-2, que é uma formação incomum: um açúcar com um boro no meio. "O que é incrível nessa molécula é que é a primeira da história a ter uma função biológica para o boro.", exclama Bassler.Atualmente Bassler e seus colegas estão tentando determinar se o AI-2 é realmente uma molécula que trabalha sozinha como sinal ou se combina com outras moléculas para criar "linguagens" ligeiramente diferentes. Se for a última opção, nada de esperanto. "O trabalho dela é realmente fantástico", diz o microbiologista Richard P. Novick, da New York University. "Mas há controvérsia sobre de onde o AI-2 vem e por quê. E sua atuação em sistemas diferentes não está clara."Alguns cientistas também acreditam que certos aspectos do quorum sensing, mas não as descobertas de Bassler, possam ter recebido uma interpretação forçada. "As bactérias querem se comunicar ou isso acontece apenas por acidente?”, pergunta Stephen C. Winans, microbiologista da Cornell University. "Essa idéia deu por certo que as bactérias querem se comunicar entre si. Pode ser bom demais para ser verdade."Bassler, por enquanto, continua concentrada em entender o AI-2. "Quero que tudo seja uma coisa só, por isso tenho certeza de que está errado", diz. "Quero que seja uma coisa só porque é melhor se você quiser fazer uma droga, certo?" Bassler é uma entre vários pesquisadores de quorum sensing que trabalham para empresas de medicamentos. Em 1999 ela formou a empresa Quorex com um ex-colega de Agouron.
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