Carta ao Presidente Lula
(Ruy Coppola)
CARTA
AO SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA LUIZ INÁCIO LULA DA
SILVA, PUBLICADA NO ESTADÃO.
Estimado
presidente!
Assisti
na televisão, anteontem, o trecho de seu discurso criticando o
Poder Judiciário e dizendo que V. Exa. e seu amigo Márcio,
Ministro da Justiça, há muito tempo são
favoráveis ao controle externo do Poder Judiciário, não
para "meter a mão na decisão do juiz",
mas para abrir a "caixa-preta" do Poder. Vi também
V. Exa. falar sobre "duas Justiças" e sobre a
influência do dinheiro nas decisões da Justiça.
Fiquei abismado, caro pesidente, não com a falta de
conhecimento de V.Exa., já que coisa diversa não
poderia esperar (só pelo fato de que o nobre
presidente é leigo), mas com o fato de que o nobre
presidente ainda não se tenha dado conta de que não é
mais candidato. Não precisa mais falar como se em palanque
estivesse; não precisa mais fazer cara de
inconformado, alterando o tom da voz para influir no ânimo
da platéia. Afinal, não é sempre que se faz
discurso na porta da Volks. Não precisa mais chorar.
O eminente presidente precisa apenas mandar, o que não fez
até agora. Não existem duas Justiças, como
V. Exa. falou. Existe uma só. Que é cega, mas não
é surda e costuma escutar as besteiras que muitos falam
sobre ela. Basta ao presidente mandar seu amigo Márcio
tomar medidas concretas e efetivas contra o crime organizado.
Mandar seus demais ministros exercer os cargos para os quais
foram nomeados. Mandar seus líderes partidários
fazer menos conchavos e começar a legislar em favor
da sociedade. Afinal, V. Exa. foi eleito para isso.Sr.
presidente, no mesmo canal de televisão, assisti a uma
reportagem dando conta de que, em Pernambuco (sua terra
natal), crianças que haviam abandonado o lixão,
por receberem R$ 25 do Bolsa-Escola, tinham voltado para
aquela vida (??) insólita simplesmente porque desde janeiro
seu governo não repassou o dinheiro destinado ao
Bolsa-Escola. E a Benedita, sr. presidente? Disse ela que
ficou sabendo dos fatos apenas no dia da reportagem.Como
se pode ver, Sr. presidente, vou tentar lembrá-lo de algumas
coisas simples. Nós, do Poder Judiciário, não
temos caixa-preta. Temos leis inconsistentes e brandas (que seu
amigo Márcio sempre utilizou para inocentar pessoas
acusadas de crimes do colarinho-branco). Temos de conviver com a
Fazenda Pública (e o Sr. presidente é responsável
por ela, caso não saiba), sendo nossa maior cliente e
litigante, na maioria dos casos, de má-fé. Temos
os precatórios que não são pagos. Temos
acidentados que não recebem benefícios em dia (o INSS é
de sua responsabilidade, Sr. presidente). Não temos
medo algum de qualquer controle externo, Sr. presidente. Temos
medo, sim, de que pessoas menos avisadas, como V. Exa. mostrou
ser, confundam controle externo com atividade jurisdicional
(pergunte ao seu amigo Márcio, ele explica o que é).
De qualquer forma, não é bom falar de corda em casa de
enforcado. Evidente que V. Exa. Usou da expressão
"caixa-preta" não no sentido pejorativo do
termo. Juízes não tomam vinho de R$ 4 mil a garrafa.
Juízes não são agradados com vinhos portugueses
raros quando vão a restaurantes. Juízes, quando
fazem churrasco, não mandam vir churrasqueiro de outro Estado.
Mulheres de juízes não possuem condições
financeiras para importar cabeleireiros de outras unidades da
Federação, apenas para fazer uma "escova".
Cachorros de juízes não andam de carro oficial.
Caixa-preta por caixa-preta (no sentido meramente figurativo),
sr. presidente, a do Poder Executivo é bem maior do que a
nossa. Meus respeitos a V. Exa. e recomendações ao seu
amigo Márcio.P.S.:Dê
lembranças a "Michelle". (Michelle é
cachorrinha do presidente que passeia em carro oficial).Ruy
Coppola, juiz do2.º Tribunal de Alçada Civil do Estado
de São Paulo.
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