Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância
(Sigmund Freud)
O texto Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância é o que poderíamos chamar de uma biografia psicanaliticamente orientada. Leonardo da Vinci era um sujeito de vida singular, quanto à sexualidade, pelo que consta, nunca manteve relações afetivas ou intelectuais com mulheres, esteve sempre cercado de belos rapazes, e sempre rejeitou a sexualidade. Em seus estudos científicos, pouco estudou sobre os órgãos sexuais femininos. Quanto ao seu trabalho, este também teve desenvolvimento peculiar, como a desistência da pintura por um certo período, substituída pela pesquisa natural que, antes, era apenas uma ferramenta para trazer mais perfeição a sua obra; e o posterior retorno à pintura, caracterizado pelo sorriso estereotipado de Mona Lisa nas obras posteriores e a declaração da incompletude de praticamente todas as suas obras. Importante também para a pesquisa freudiana são os relatos acerca de amor e ódio. Segundo Leonardo, tais sentimentos só são legítimos quando oriundos de extenuantes pesquisas, afirmação contraditória com a experiência cotidiana, que nos mostra a impulsividade de tais emoções. A pesquisa vinciana e o adiamento das exaltações para somente o fim de um trabalho, e direcionado para uma louvação do criador eliminam a possibilidade de amor e ódio, a racionalidade, e as peculiaridades de Leonardo os substituem. O ponto central do trabalho de Freud consiste em uma lembrança de infância relatada por Leonardo em um tratado sobre o vôo das aves. Da Vinci afirma que estaria predestinado a estudar o vôo dos pássaros desde sua primeira infância, quando se recorda de que um dia, em seu berço, um abutre que ali pousou abriu-lhe a boca com o rabo e fustigou-lhe os lábios repetidas vezes. E não é que este relato foi um prato cheio para Freud. Primeiro, lembranças da primeira infância são, como Freud há muito já sabia, mesclas de imagens da memória, fantasias, relatos da mãe (ou de outros) e desejos e interpretações adultas. Segundo, de acordo com relatos, Leonardo, filho ilegítimo, viveu a primeira infância somente com a mãe, sendo que no primeiro registro onde aparece com o pai já possui cinco anos. O abutre era uma espécie enigmática da qual acreditavam somente existirem fêmeas (fecundadas pelo vento!), idéia esta que era usada pelos padres para comprovar a virgindade de Maria. A fantasia com o abutre confirmaria, então, a hipótese da vivência com a mãe até pelo menos uns três anos. Terceiro, o símbolo da cauda é relacionado com a idéia de falo, sendo a fantasia então associada ao sexo oral, que por sua vez representa a amamentação e também é associado por Freud como um beijo da mãe. Quarto, o fato de tal relato estar associado a uma afirmação de predestinação para pesquisar o vôo das aves vem confirmar a intensidade e importância das pesquisas sexuais infantis em Leonardo, valendo colocar aqui também a associação que o vôo tem, nos sonhos, com a idéia da relação sexual. Quinto e último ponto, Freud explica a transformação de uma fantasia materna de amamentação em uma fantasia passiva homossexual também pela idéia das teorias sexuais infantis, já que uma delas é a de que as mulheres também têm pênis. Somado a isso, o fato de que já em sua época Leonardo foi acusado de práticas homossexuais indica que seu homossexualismo ideal pode ser associado a essa infância, vinculado ao narcisismo: a identificação com a mãe o faz procurar a si mesmo nos outros. O sorriso de Mona Lisa tem, para o estudo freudiano, grande importância. Segundo parece, Leonardo viria a repetir o sorriso enigmático, desinteressado ao mesmo tempo em que sensual de Mona Lisa, em todas as suas obras posteriores. Freud afirma que este sorriso reviveu nele lembranças relacionadas com sua mãe que jamais foram abandonadas novamente. Outro quadro de interesse é o que foi trabalhado praticamente simultaneamente com a Mona Lisa, a obra Sant’Ana com Dois Outros, onde Sant’Ana tem Maria em seu colo e esta, por sua vez, abaixa-se para segurar o menino Jesus. A relação avó, mãe e filho pode ser associada à situação instaurada quando da ida de Leonardo à casa do pai, lá, além da madrasta, vivia também sua avó paterna. Os fatos de, no quadro, mãe e filha apresentarem a mesma idade e se confundirem seus limites corporais em alguns pontos, por sua vez são associados à idéia de uma dualidade materna, e que no quadro são representadas a mãe e a madrasta de Leonardo. Há também a idéia de que o manto que cobre Maria, na pintura, tem uma forma de abutre prenhe e cujo rabo termina na boca do menino Jesus.Pontos importantes são também concluídos do diário mantido por Leonardo da Vinci. Dentre as informações significantes, destaca-se o minucioso interesse por relatar despesas e cálculos com números. Anotações sobre as despesas do enterro de sua mãe, sem nenhum relato emocionado, foram talvez a única forma de expressão dos sentimentos encontrada por Leonardo – outro relato do tipo que trata da morte do pai apresenta repetição da hora, que é vinculado com uma substituição de palavras de pesar, – e posso ver claramente que, como a pesquisa científica detalhada substituiu por certo tempo, em Leonardo, o amor e o ódio e sua satisfação sexual, não pode deixar de ser certo que a frieza numérica de relatos que deveriam apresentar sentimentos substituem tais sentimentos.
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