Águas para salvar as florestas para salvar as águas
(Rui Rocha)
Águas para salvar as florestas para salvar as águas
Rui Barbosa da Rocha[1]
Depois de defender por 10 anos o desmatamento zero na Mata Atlântica do Sul da Bahia, no meio da pior crise da sua história, quando doenças no cacau e os preços baixos derrubaram uma economia milionária no meio do nordeste, agora passo a defender um tipo de desmatamento que poderá salvar uma imensa floresta remanescente, quem sabe, para sempre. Refiro-me a um projeto audacioso na região de Ituberá, ao sul de Salvador, liderado por um empresário de 86 anos, o Sr. Norberto Odebrecht.
O princípio do Sr. Norberto é escandalosamente simples: para fazermos a omelete (a conservação de milhares de hectares de florestas em regiões serranas, com até 700 metros de altura), é preciso quebrar alguns ovos, ou cortar algumas dezenas de hectares de floresta, a maioria formada de capoeiras com cerca de 10 a 30 anos de idade. Para que? Para programar alguns lagos ( o mais amplo e impactante deles teria uma superfície total de 200 hectares, com 25 hectares de capoeiras grossas). Os nomes dos lagos propostos são curiosos, pois se referem às pessoas ou aspectos de cada localidade – Da. Maria, Antônio Rocha, Roda D’água, e por aí vai.
Ao sobrevoar a região, ficamos impactados pelo belo e feio no mesmo local. O conjunto de florestas é impressionante, desde o litoral até a região serrana, a menos de 30 quilômetros da costa. Ao mesmo tempo, centenas de buracos na mata, a maioria muito recentes, apontam para um cenário de desmatamento associado a uma agricultura itinerante de mandioca e banana. Os roçados são pequenos, mas se espalham pelas serras, ainda mais nos morros mais altos e íngremes. São muitos, demonstrando que o ritmo atual de desmatamentos é muito superior ao que se propõe com a criação dos lagos.
Mas, porque sugerir mais desmatamentos, especialmente nas partes baixas, nos vales? Simplesmente porque os lagos podem gerar muito trabalho e renda concentrado, graças à criação racional de peixes e produção de energia em micro-centrais hidroelétricas (denominadas CGHE’s). O raciocínio é: cada agricultor local, convertido em criador de peixes, pode aumentar a renda em mais de duas vezes, e deixar a prática do desmatamento, para sempre. Um trabalho mais leve, praticado no meio de uma gestão empresarial de parceria, seria estimulante e capaz de gerar mais de 2 mil vagas nos próximos anos, desde que isso se transforme em uma política pública, com o apoio governamental.
Os lagos já foram testados na fazenda do Sr. Norberto. Estão lá para quem quiser ver. Peixes, energia, uma paisagem de tirar o fôlego, habitações dignas, escola de qualidade para a criançada de toda a região, e o que é mais atraente para todo ambientalista que se preze: mais de 60 % da área está coberta por matas, circundando os lagos e os plantios. Assim, fica fácil compreender o título deste artigo: as águas dos lagos geram o trabalho e a renda que permite a conservação das matas, que protege as águas, nascidas nos seus grotões e topos de morro, fantasticamente florestados.
[1] Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz e ambientalista, diretor do Instituto Floresta Viva, ong que atua na região de Serra Grande e Itacaré, a mais rica em biodiversidade da Mata Atlântica brasileira, e quiçá do mundo.
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