Cântico Negro
(José Régio)
Sentindo-se por vezes mal entendido, intolerado e só, José Régio recusou-se a caminhar lado a lado com o que lhe era pedido e até imposto pela sociedade que o rodeava. A busca da originalidade e de um caminho particular levou-o a obrigar a sua própria consciência a perceber que só cada um em si mesmo, pode descobrir orgulhosamente quem e como é. Esta procura dum lugar de partida paralelo, levou Régio a criar uma poesia onde podesse reclamar para si o papel de "mestre" no que diz respeito à necessidade de procurar um conhecimento absoluto do bem viver. Nessa perturbação profunda de ser em si um único, Régio pretende procurar-se para lá do que se vê e procurar os outros para lá do que eles são. A existência que lhe foi imposta, "- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre a minha mãe."impõe-lhe também uma forma de entender o mundo inovadora e viva e Régio, preferindo lutar só, mas consciente do seu papel, do que aceitar as imposições dos outros leva esta ideologia até à forma estilística da sua poesia. O Cântico negro, sendo um poema onde o orgulho se apresenta como principal motivador das acções do poeta "Não, não vou por aí! Só vou por onde/ Me levam meus próprios passos...", vai aparecer, dividido por nove estrofes com número desigual de versos e de sílabas métricas, onde o equilíbrio vem da sua arrumação rimática e num discurso directo que parte dum diálogo dramatizado, para fazer transparecer uma antítese constante entre o eu do poema e o vós que lhe pede contas das suas opiniões e escolhas na vida. Para Régio, talvez este Vós não seja mais do que um ideal com que se confronta na busca desse conhecimento verdadeiramente esclarecedor da mística e do valor Divino na relação entre Deus e os homens. "Como, pois, sereis vós que me dareis impulsos, ferramentas e coragem. Para eu derrubar os meus obstáculos? Corre nas vossas veias sangue velho dos avós. E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem Amo os abismos, as torrentes, os desertos..." Para Régio não interessa o óbvio e pensar o que já foi explicado, interessa sim, viver na procura - mesmo que louca - dum acreditar em algo que teima em fugir-lhe. Essa busca dum relacionamento com o Divino, quer pelo ponto de vistade Deus ou pelo ponto de vista do diabo, de onde Régio retira a importância de existir consciente de o fazer entre estes dois polos, absolutamente contraditórios e absolutamente tentadores da consciência humana. "Não sei por onde vou, Não sei para onde vou," Régio procura-se indefinidamente num futuro que se mostra vazio, o desconhecido é o seu objectivo, pois só quando este se tornar acessível é que Régio se sentirá satisfeiro com o seu existir. "Sei que não vou por aí!" Porém, quando Régio olha para o fundo desse vazio, desse futuro, desse desconhecido, este está cada vez mais fundo e longe e cada vez mais desconhecido. Vai ser esta eterna perseguição seguida duma eterna fuga que vai manter régio são, coerente e sôfrego de conhecer o Real.
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