O ROMANCE DE MARIA MADALENA
(Jean-Yves Leloup)
A história mais conhecida talvez não seja a verdadeira; uma outra história está escrita em filigrana, ou em apócrifo, uma outra paixão igualmente salvadora; um encontro em que Deus não é uma pessoa, mas um encontro de pessoas, e em que o leito nupcial é o leito, o ninho da encarnação.
Que mulher era Maria? A beleza, uma beleza provocante e inocente que se atreve em meio aos soldados romanos, aos judeus devotos e às velhas senhoras envoltas em véus. Para Maria, nessa idade, não há outro sentido para a vida além da intensidade de viver e sentir essa primavera na pele, no coração. Maria tem um segredo: o gosto pelo estudo. Sem dúvida é isso que causará sua perdição – a mulher não foi feita para estudar. Foi seu irmão Lázaro que lhe ensinou a ler às escondidas de seus pais e de sua irmã. Tratava-se de uma família rica que possuía várias propriedades em Jerusalém, Betânia e Magdala. ... Fora sua criada Sara que lhe ensinara a olhar baixando os olhos e assim ver melhor aquilo que um homem esconde ou ignora de si mesmo. ... O que interessava a Maria não era unicamente o que dizia respeito aos homens; ela também tinha o mesmo número de questionamentos com relação aos deuses. O Deus de Sara era uma Deusa: a Grande Mãe dos mundos, a terra negra útero de luz. A sua religião se enraizava nos tempos antigos, quando ainda não havia deuses juízes ou guerreiros, mas sim deusas que velavam sobre a fertilidade, sobre o jogo das semeaduras e das colheitas. Um dia de grande calor seu primo a seguiu até o caramanchão sombrio no fundo do jardim; em seguida, sem dizer uma palavra, jogou-se sobre ela e rasgou seu vestido. Ela, tão sensível, não sentiu nada. Lembra-se somente de lá ter ficado por muito tempo, sob o caramanchão, com uma queimação no ventre e uma mancha de sangue....Não houve encontro sagrado. Sara tinha razão: se o homem não se deixar acariciar, ungir de óleo e de beijos, é um animal. Ela não perdia as esperanças, jamais julgava seus fracassos. Era preciso esperar pelo melhor: talvez este aqui escondesse em seu peito largo tesouro...Talvez aquele outro tivesse um gesto ou uma palavra de consolo... Para voltar a achar um pouco de inocência e de alegria, ela dançava; então seu corpo podia se dar por inteiro. A corte do rei lhe oferecia seu luxo e a oportunidade de muitos encontros. Chegou o dia do aniversário de Herodes. Maria, seus pais e todos os parentes de Magdala evidentemente foram convidados.... Salomé dançou. Quando parou de rodopiar, uma avalanche de aplausos tomou conta da sala do banquete. Herodes, como que fora de si, disse-lhe: - Peça-me o que quiser e eu lhe darei! Salomé olhou para sua mãe e disse sem hesitar: - Quero que você me dê imediatamente, sobre um prato, a cabeça de João Batista! ... O guarda se foi e decapitou-o na prisão. Trouxe, em seguida, sua cabeça sobre um prato e deu-a à jovem e esta deu-a à sua mãe.
Maria testemunhou toda a cena. A partir desse dia, ela deixou de ir ao palácio e de frequentar aquela que fora sua amiga. A cabeça de João Batista sobre o prato despertava-a todas as noites. Buscava nas bebidas alcoólicas e nas drogas a graça de esquecer aquele semblante, aqueles olhos vazios. Encontrava-se com frequência no chão, tremendo ou imóvel, como que paralisada. Alguns diziam: "É o diabo, não há mais nada que possamos fazer por ela." Maria Madalena, a nobre dama da torre, a princesa, a amiga dos ricos e poderosos, tornou-se Maria, a possuída...
Maria amava os homens mas não queria se casar, amava as crianças mas não queria ter filhos. Queria se manter livre, mas livre pra quê? Poucos o sabem: para o estudo, para o conhecimento... Já desde muito jovem tirava furtivamente os rolos da Torá de seu irmão Lázaro. "O conhecimento é um prazer durável", dizia ela com um brilho profundo nos olhos. Ela sonhava com um Verbo que se faria carne, com um Logos encarnado. Só ele poderia ser seu esposo de fala ede sopro, mas também de carne e de sangue.
Jesus havia dito a palavra sagrada: é o amor verdadeiro que liberta, o amor no qual estamos nus e inteiros; e ele havia visto em Maria essa unidade, essa pureza de coração.... Ela sabia a quem havia dado o seu coração, para quem guardava seu corpo e em que sopro gostava de abandonar o seu. Maria sabia com quem sua boca era mais que um bom-dia, com quem seu corpo era mais que sua pele e a que mãos entregava mais que sua alma. Ela não era mais a possuída, mas a mulher fiel, a amiga feliz daquele que livrou seu corpo das mãos dos impuros.
Jesus e Maria – as pessoas perguntavam, com frequência, que idade tinham juntos. Juntos, eram muito mais jovens que a soma de suas rugas. Tinham a idade de suas vozes e eram as núpcias da Eternidade e do tempo. ... Maria Madalena pode ser considerada como o arquétipo feminino do Ântropos, aquela que, através das metamorfoses de seu desejo, realiza sua inteireza e sua paz.
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