Conto verdadeiro de uma Doença rara- Ediofobia
(João Luís- Internet)
Viajei recentemente. Para onde? Não é da vossa conta. Viajei e é isso que importa. Descobri, por causa desta viagem, que sofro de uma doença rara e incurável e apoderou-se de mim uma enorme tristeza. Porquê logo comigo? Há tanta gente com medo do escuro, com pavor das aranhas, com pânico dos lugares altos... Por que não eu também? Por que não havia eu, alentejano de gema, de me ter transformado num exemplo raro de copofóbico (indivíduo com medo da fadiga), ou sofrer como muitos que conheço, nos mais variados ramos de actividade (e também no ensino), de epistemofobia (medo do conhecimento)? Ou, num caso muito pessoal, ter-me transformado num falacrofóbico (tipo com pavor de ficar careca)? Seria um indivíduo descontraído se sofresse, por exemplo, e tal como muitos dos nossos políticos, de fronemofobia (aversão mórbida irracional, persistente e repugnante de pensar). Mas não, nem uma pontinha sequer de xenofobia, uma doença tão em voga ultimamente. Nada. Sou efodiofóbico e pronto. E-fo-di-o-fó-bi-co! Viajei recentemente. Um dia antes da partida, a minha fofa chamou-me do quarto: "Anda ajudar-me a fazer as malas." Obedeci, claro. Aquilo que eu estava a fazer no sofá (uma sestinha) podia ficar para mais tarde. Fazer as malas para quatro dias fora de casa seria mais fácil e muito mais rápido do que comer um prato de caracóis na Sede dos Pombos. Quando entro no quarto e vejo a minha cama tapada de malas grandes, pequenas e médias, de bocarra escancarada, uma com roupas de Verão, outra com roupas de Inverno, outra com sapatos, outra com sandálias, outra com produtos de beleza, outra ainda vazia, outra encostada ao roupeiro, à espera de vez, senti uma tontura forte, um tremedouro nas penas. .. e desmaiei. Desmaiei mesmo. Acordei com a minha fofa a arrastar-me para cima do tapete. "Fofa", murmurei, "o que é que se passou?" "Foi uma quebra de tensão", decidiu com firmeza. Levantei-me e, quando encaro novamente aquele desassossego de malas e objectos, gritei assim tipo Janet Leigh na cena do duche do Psycho, do mestre Hitchcock, e voltei a sentir o chão a faltar-me debaixo dos pezinhos. "Quando regressarmos, tens de ir ao médico", sentenciou. "Agora já não há tempo!" Assim foi. Quando avistámos a velha Torre do Relógio, cartão de visita da minha cidade, o nosso Big Ben do coração, telefonou a um psicólogo que, por sua vez, conhecia um psiquiatra especializado em doenças esquisitas e lá fui eu de charola. Muita conversa, muitas perguntas, muito disto e daquilo e mais o cheque da ordem. Ou melhor, à ordem. Cheguei a casa há menos de meia-hora com a sentença lida: sou efodiofóbico. Isto é: tenho um pavor indescritível e insuperável dos preparativos para as viagens. Por isso, a partir deste dia, enquanto a minha fofa trata da questão das malas (só de usar esta palavra sinto um ligeiro tremor nas pernas, ainda assim musculadas), eu tenho mesmo de ficar deitado no sofá (ordens do médico) a dormir a minha sestinha. Resultou o truque do desmaio. A consulta é que foi um bocadito cara. Do mal, o menos.
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