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MULA SEM CABEÇA
(Requeijão; Walfrido)

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MULA SEM CABEÇARequeijão, Walfrido - Zê! Udigrudi - São Paulo - SP - 2007 - www.zeditora.comMula-sem-cabeça é uma espécie de maldição que recai sobre a moça que se apaixona por homem padre ou numa criança, filha de uma comadre com compadre ou de um padrinho com a afilhada. Toda cidade pequena, dessas que tem casinhas ao redor de uma igreja, tem pelo menos uma história de mula pra contar. A moça mula sempre passa mal nas noites de quinta para sexta-feira. Dá uns enjôos, um não sei quê de inquietação, uma falta de ar. Então ela sai de casa e logo se transforma numa mula que sai num galope determinado e veloz. Durante a madrugada ela irá percorrer sete povoados e de longe é possível ouvir seus galopes e seus gemidos longos e dolorosos.
Quem já viu mula sem cabeça não esquece. Diz que ela é toda negra, com uma cruz de pelos brancos na testa e que apesar do nome, é um animal inteiro, lançando fogo pelas orelhas, pelas ventas e pela boca onde tem freios de ferro. A ponta de sua cauda tem um facho luminoso e seus coices são terríveis. Provocam cortes como se fossem navalhas. Se nas suas andanças vir alguém, persegue-a até alcança-la só para chupar-lhe os olhos, unhas e os dedos. Para escapar disso, só há uma maneira: ficar de cócoras, fechar os olhos e esconder as mãos. Mesmo depois de percorrer sete povoados, a mula só descansa quando o galo canta três vezes, então, exausta, procura um lugar ermo, onde volta à forma humana. É muito triste e só há um jeito de quebrar essa maldição, mas tem que ser pessoa de muita coragem, pois terá que retirar o freio da boca da mula, livrando a moça da sina pra sempre. Na cidade onde eu nasci todos diziam que havia morado ali uma senhora de nome Rosa. Diziam que era muito prendada, mas que todas as quintas-feiras à noite, entregava a casa aos cuidados de uma comadre parteira e desaparecia sem quem ninguém suspeitasse. É que Rosa virava mula-sem-cabeça e não podia fugir de sua triste condição. Rosa a tempos que estava grávida e deu de ser que numa dessas malsinadas quintas-feiras ela sentisse dores de parto. Não querendo fugir do resguardo e prejudicar o bebê, chamou sua comadre parteira, que era de sua confiança e lhe contou sobre as dores e sobre sua malsinada vida que a obrigava a fugir às quintas-feiras. Chorando, pediu sua ajuda. Queria que a comadre lhe atasse com grossas cordas a um poste, no pátio da casa. A comadre estava disposta a ajudar, mas muito curiosa, pediu para ver sua amiga transformar-se em mula:
-O que me pede é perigoso, comadre, pois quando viro mula sou perigosa, não conheço ninguém. O único meio de evitar minha cólera é ficar de cócoras com os olhos fechados, escondendo os dentes, dedos e unhas, mas... é melhor você deixar esta idéia pra lá.
Entretanto, a comadre insistiu. Combinaram que a parteira ficaria atrás da casa, tendo cuidado de esconder os dentes, os dedos e as unhas, para não ser percebida. Dito e feito. À meia-noite, Rosa já estava atada ao poste por grossas cordas, a comadre foi para o lugar combinado e ficou à espera. Sinhá Rosa começou a ficar inquieta, seus olhos começaram a brilhar, sua cabeça começou a girar e sua boca começou a produzir um gemido longo e doloroso, então, de repente, ouviu-se um grito terrível e Rosa estava metaformoseada. A comadre, com aquele grito medonho, amedrontou-se e correu para a casa, mostrando os dedos e as unhas.
Vendo aquilo a mula-sem-cabeça ergueu-se, deu um urro formidável, um par de coices tão forte que rompeu as cordas e correu decidida e encolerizada ao encalço da parteira. A fugitiva, na aflição de sentir-se perseguida, corria o que podia, mas atrapalhada pelo medo e pela saia que usava, não corria o suficiente. Aterrorizada, vendo que a mula se aproximava, mudou de direção, correndo para um terreno cheio de árvores pensando em se ocultar entre elas. A mula, no entanto, continuava no seu encalço, cada vez mais próxima, de modo que a comadre viu-se irremediavelmente perdida. Um tremor nervoso lhe tolheu os passos, enrijeceu-lhe os nervos, fazendo-a cair ao chão. Com o rosto congestionado pelo medo, incapaz de levantar-se, viu a aproximação do colérico animal que lhe deu uma formidável patada no peito, prostrando-a sem sentidos, na relva úmida pelo sereno. A mula-sem-cabeça continuou em sua desabalada carreira por toda a noite, até o galo cantar três vezes.
Então, voltou Dona Rosa ao seu estado normal e foi para casa, onde prostrada deitou-se, dormiu profundamente e nunca mais acordou. Sua comadre parteira viveu ainda por muitos anos, perambulando pelas ruas, às horas mortas. Era inofensiva, tinha os olhos desmesuradamente abertos, como possuída de grande terror e dizia constantemente, em tom implorante: " Sou eu, Rosa... num faz mar pr’eu não, Sinhá... Sou eu, Rosa... ".Você reparou que mula-sem-cabeça é uma condição muito parecida com lobisomem? Pois é, enquanto lobisomem só ocorra com homens, a maldição da mula-sem-cabeça só afeta as mulheres. De qualquer jeito homem ou mulher que vira fera é algo terrível e comum em cidadezinhas do interior. Por isso, quando visitar uma cidade pequena, com muita mata e rios, não saia às noites de quinta-feira, nem às sextas-feiras de lua cheia.
Acredite, se quiser!



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