BUSCA

Links Patrocinados



Buscar por Título
   A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z


Uma temporada de facões
(Jean Hatzfeld)

Publicidade
“Uma Temporada de Facões”
Jean Hatzfeld

“O genocídio empurra para o isolamento aqueles que não foram empurrados para a morte.”
(ruandesa da etnia tutsi)

Quem passeia hoje pelas ruas de Ruanda, conhecida na década de 80 do século passado como a “Suíça da África”, dificilmente encontra cães pelo caminho. Cachorros foram mortos pela Frente Patriótica Ruandesa, organização político-militar formada pela etnia tutsi, e pelos soldados da Organização das Nações Unidas, em 1994, porque estavam devorando os corpos empilhados e espalhados pelas ruas.

A ineficiência da ONU e o descaso da chamada “comunidade internacional” com a série de massacres que ocorreram há mais de dez anos continuam sendo tema de debate nas Relações Internacionais. Os números já são conhecidos por muitos estudiosos: 800 mil pessoas mortas em apenas 100 dias, o que significa 333 assassinatos por hora ou 5,5 vidas exterminadas por minuto.

O genocídio não apenas alterou a história de Ruanda, mas a paisagem, o clima e a vida de sua população. Para os ruandeses que conseguiram fugir dos massacres, a realidade deixou de ser vista da mesma forma. É como diz Jean Hatzfeld, em “Uma Temporada de Facões”: um sobrevivente enxerga tudo a sua volta com desconfiança, pois o seu mundo passa a ser dos sobreviventes. O livro é baseado em entrevistas realizadas com autores da matança, quase dez anos depois – o grupo está preso em Ruanda.

Os depoimentos dos assassinos coletados por Hatzfeld, em “Uma temporada de facões”, são chocantes e fazem o leitor questionar até a sanidade mental dos responsáveis pelo genocídio:

“A regra número um era matar. A regra número dois, não havia. Era uma organização sem complicações”.

“Devíamos agir depressa, não tínhamos direito a dias de folga, muito menos aos domingos, era preciso terminar.”

“É muito difícil nos julgar. Porque o que fizemos vai além da imaginação humana.”

Segundo um dos assassinos, chamado Fulgence, que tinha 33 anos na época dos assassinatos em série, o olhar da vítima no momento de morrer era a “desgraça”. Ele conta que sua primeira vítima foi uma velha, mas que ele não pensou no assunto ao voltar para casa. “No dia seguinte, cortei pessoas vivas em pé. Foi no dia do massacre na igreja, portanto um dia muito especial (...)”.

Leopórd, que também participou do genocídio, confirma a tese de que é fácil lembrar da primeira vítima. No entanto, seu depoimento mostra que os assassinatos seguintes foram cometidos de forma cruel, até como diversão. “Era estafante e divertido, era como uma distração inesperada. (...) Não posso dizer com sinceridade quantos matei, pois no caminho me esqueci de muitos.”

Outro assassino declara que o medo dos tútsis era um estimulante da violência. “Quanto mais matávamos, mais a gula nos estimulava a continuar. Essa gula, se ninguém a pune, jamais nos abandona”, declara Jean-Baptiste. “Se matar sem parar, o homem pode se acostumar. Pode até se transformar em bicho, sem nem prestar atenção.”

Hatzfeld tenta em seu livro entender as causas do genocídio e pergunta as razões diretamente aos assassinos. No entanto, nenhum deles tem uma explicação objetiva. Ele escolheu um grupo de dez amigos hutus que participaram dos massacres. O jornalista chama a atenção para o fato de que todos eles sentem necessidade de se esconder atrás do nome pessoal “nós” para falar sobre o que fizeram.

Muitos especialistas e a imprensa teimam em apontar uma suposta rivalidade étnica histórica como a causa principal do genocídio. No entanto, um estudo mais cuidadoso do contexto político, social e econômico mostra que a questão não é tão simples. Aliás, o que existe são especulações sobre o tema. Certezas são praticamente impossíveis, já que o genocídio cria um cenário na qual a morte é regular, a barbárie banalizada e o chamado humanismo deixa de existir.

O pequeno território de Ruanda fica no centro-oeste da África, em uma região montanhosa. Habitando um dos países com a maior densidade demográfica do continente, os ruandeses vivem da agricultura, desenvolvida em pequenas propriedades, e seus principais produtos exportados são o café e o chá. Os dois principais grupos que vivem em Ruanda são os tútsis e os hutus e há divergências sobre quem chegou primeiro ao país.

Muitos autores defendem que a base do genocídio não foi o conflito étnico e sim um regime de governo centralizador, autocrático e impopular cuja estratégia para se manter no poder foi a de cortar os laços civis, estimulando o ódio entre os dois grupos que, no geral, passaram décadas convivendo na mesma vizinhança de forma harmônica e, inclusive, casando entre si. É preciso ressaltar, porém, que ela não descarta a importante contribuição das rivalidades entre as duas etnias alimentadas pela colonização européia.

Enquanto estudiosos continuam na difícil busca por explicações, a maioria das potências ocidentais se mantém de costas para os conflitos existentes na África. As imagens do extermínio e da violência divulgadas pelas agências internacionais de notícias, seja pela TV, revistas ou jornais, chocam o mundo, mas o seu impacto muitas vezes é temporário. Afinal, a África fica muito longe daqui.



Resumos Relacionados


- Sobrevivi Para Contar

- Guerra Entre Irmãos

- Hotel Ruanda

- Hotel Ruanda

- GenocÍdio ArmÊnio: Também "nunca Novamente"



Passei.com.br | Biografias

FACEBOOK


PUBLICIDADE




encyclopedia