O EMPRÉSTIMO
(MACHADO DE ASSIS)
O conto O Empréstimo de Joaquim Maria Machado de Assis é parte da obra Papéis Avulsos. Conforme o narrador a história é uma anedota verdadeira que em consonância com ele outras pessoas conhecem e poderiam confirmá-la, para isso fazendo alusões a Calyle, Pitágoras, Sêneca e Balzac. Assim, o conto é a história de Custódio que numa última tentativa vai a busca de um empréstimo com o tabelião Vaz Nunes. Às quatro horas, no cartório na rua do Rosário, todos fecham suas gavetas, trocam seus paletós e saem à rua, menos Vaz Nunes que ficou só. Ele era um tabelião honesto, um dos homens mais perspicazes do século. Tinha um olhar de lanceta, cortante e agudo. Ele adivinhava o caráter das pessoas que o buscavam para escriturar os seus acordos e resoluções; conhecia a alma de um testador muito antes de acabar o testamento; farejava as manhas secretas e os pensamentos reservados. Usava óculos, como todos os tabeliães de teatro; mas, não sendo míope, olhava por cima deles, quando queria ver, e através deles, se pretendia não ser visto. Finório como ele só, diziam os escreventes. Em todo o caso, circunspecto. Tinha cinqüenta anos, era viúvo, sem filhos, e, para falar como alguns outros serventuários, roía muito caladinho os seus duzentos contos de réis. De repente, olhando para a porta da rua estava parado na soleira, um homem que ele não conheceu logo, e mal pôde reconhecer daí a pouco. Vaz Nunes pediu-lhe o favor de entrar; ele obedeceu, cumprimentou-o, estendeu-lhe a mão, e sentou-se na cadeira ao pé da mesa. Não trazia o acanho natural a um pedinte; ao contrário, parecia que não vinha ali senão para dar ao tabelião alguma coisa preciosíssima e rara. E, não obstante, Vaz Nunes estremeceu e esperou. Custódio recordou a ceia de Natal na Tijuca em casa de Teodorico e faz Vaz Nunes recordar-se dele. Custódio era um homem de quarenta anos. Vestia-se pobremente, mas escovado, apertado, correto. Usava unhas longas, curadas com esmero, e tinha as mãos muito bem talhadas, macias, ao contrário da pele do rosto, que era agreste. Tinha um ar de pedinte e general. Na rua, andando, sem almoço e sem vintém, parecia levar após si um exército. A causa não era outra mais do que o contraste entre a natureza e a situação, entre a alma e a vida. Nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto das elegâncias, o amor do supérfluo, da boa chira, das belas damas, dos tapetes finos, dos móveis raros, um voluptuoso, e, até certa ponto, um artista, capaz de reger a vila Torloni ou a galeria Hamilton. Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava viver. Vivia, principalmente, da doação de um e de outro, mas se metia em negócios que pudesse escolher e ganhar algum dinheiro, entretanto, tinha o faro das catástrofes. Entre vinte empresas, adivinhava logo a insensata, e metia ombros a ela, com resolução. O caiporismo, que o perseguia, fazia com que as dezenove prosperassem, e a vigésima lhe estourasse nas mãos. Aparelhava-se para outra. Leu um anúncio de alguém que pedia um sócio, com cinco contos de réis, para entrar em certo negócio, que prometia dar, nos primeiros seis meses, oitenta a cem contos de lucro. Custódio foi ter com o anunciante. Era uma grande idéia, uma fábrica de agulhas, indústria nova, de imenso futuro. E os planos, os desenhos da fábrica, os relatórios de Birmingham, os mapas de importação, as respostas dos alfaiates, dos donos de armarinho, etc., todos os documentos de um longo inquérito passavam diante dos olhos de Custódio, estrelados de algarismos. Vinte e quatro horas; não pedia mais de vinte e quatro horas para trazer os cinco contos. Oito ou dez amigos, a quem falou, disseram-lhe que não dispunham da soma pedida, nem acreditavam na fábrica. Tinha perdido as esperanças, quando aconteceu subir a rua do Rosário e ler no portal de um cartório o nome de Vaz Nunes. Estremeceu de alegria; recordou a Tijuca, as maneiras do tabelião,as frases com que ele lhe respondeu ao brinde, e disse consigo que este era o salvador da situação. Custódio conta a história da fábrica a Vaz Nunes que escuta silenciosamente e diz não ter tão grande quantia, se fosse menos, talvez pudesse ajudar. Custódio, descrente da boa fé do tabelião vai reduzindo os valores e acaba saindo do cartório de Vaz Nunes com cinco mil-réis como se tivesse conseguido conquistar a Ásia Menor, mas acabou garantindo o jantar.
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