A ilha dos cães
(Rodrigo Schwarz)
parecer 1 obra : A Ilha dos Cães romance . autor : Rodrigo Schwarz editora Bertrand Brasil,Rio de Janeiro _________________________________________________________________________ “A Ilha dos Cães” agradará primordialmente ao leitor iniciado na ‘arte da literatura’, apreciador de obra elaborada,que seja sofisticada em seus propósitos e (de certo modo) preciosista em seu conteúdo. Mas “A Ilha dos Cães poderá oferecer também atrativos ao denominado ‘leitor comum’, pelo estilo textual correto, narrativa fluente, linguagem ‘compreensível’, enredo bem engendrado . Romance histórico [mas na romantização de um pano de fundo histórico, sem excluir a dimensão trágica incrementa um certo teor lírico (a recuperação do lirismo é bom para a literatura brasileira contemporânea,pois denota-se um ‘cansaço’ de um realismo exacerbado que tomou conta da ficção nacional ] tendo como personagem central Richard Francis Burton, o célebre explorador e intelectual , consul inglês no Brasil entre 1864 e 1869 — aqui, vítima de um naufrágio e isolado numa ilha do Atlântico onde se põe a concluir seu projeto de escrever um épico sobre as civilizações pré-colombianas — a obra se desdobra em 8 capítulos nos quais se articulam,com equilíbrio e simétrica linearidade , narrativas intercaladas e interligadas (a estória de Burton na ilha, enfrentando as dificuldades de sobrevivência-- mesmo ele, calejado aventureiro -- convivendo com o companheiro de naufrágio,Nikolai, um brasileiro cego, que talha “enigmáticos cães” , entremeada capítulo a capítulo com as estórias ambientadas no império azteca que comporão a obra idealizada por Burton : a escrita de Hokan para o imperador Montezuma sobre as origens da Ilha dos Cães,descoberta e ocupada por dinamarqueses, que no final é a própria ilha habitada por Burton ( e dinamarquês é o idioma da escrita dos manuscritos que Burton encontra numa cabana abandonada...).Na composição narrativa, tramas que se cruzam no enredo propriamente dito— uma intercalada por outra, mas desenvolvido de forma linear, em tom exato, preciso, firme — estruturado em intertextualidade (textos ‘dentro de textos’), narrações que se desdobram e ‘interagem’ . Dito/escrito assim ,sugere obra hermética e intelectualizada , que não deixa de ser — mas nem tanto : as narrações têm em comum o ritmo envolvente e o dom de transmitir ao leitor, de qualquer tipo ou grau de exigência,um bom exercício do imaginário. A evidente capacidade do Autor, de acentuado embasamento cultural e literário, na condução da narrativa, em atraente tom de fábula carregada de componentes do mitológico [ os protagonistas são reais, os fatos e os feitos são fabulares] , na construção da trama ficcional [ficção que surge essencialmente da invenção de elementos reais e concretos e da recombinação de referências, a própria invenção ficcional se valendo de ficções já criadas ], na elaboração de um texto em permanente fluidez de ‘ação e movimento’ — acoplado, é certo, a relativa densidade psicológica, a tons introspectivos (monólogos interiores, fluxos de consciência, etc) — na segura utilização de alternância de vozes narrativas (ora narrador-em-terceira pessoa, ora narrador-em-primeira pessoa) , tudo isso confere à obra elementos propensos a fazê-la leitura agradável por distintos tipos de leitores (obviamente menos àqueles sequiosos e acostumados à ficção descompromissada , de simples entretenimento, e mais aos que buscam prazeres refinados de leitura ). Aos méritos da correta edificação formal (estilo, linguagem, escrita) e da fabulação absolutamente convincentes, alie-se uma ousadia de propósitos — o engendrar uma espécie de ensaio, analítico,reflexivo, sobre a escrita, a ficção literária, a própria Literatura , e as intrínsecas relações autor-obra (as inquirições de Burton e de Hokan sobre seus próprios textos ), autor-leitor (Burton se diz, na ilha, “um escritor sem leitores”) e obra-leitor/ledor (a apatia, o descaso de Nikolai, “o maldito provinciano que não está nem aí para a literatura”). No rosário de citações autorais evocadas por Burton (Camões, Goethe, Baudelaire, Milton, Gautier, Rimbaud, Mallarmé), na enfática omnipresença e ‘omnireferência’ a manuscritos — quer o manuscrito em escritura por Burton, quer o manuscrito por ele encontrado na ilha em linguagem “nórdica”, quer os elaborados e manuseados pelos personagens Hokan e Montezuma nas narrações ambientadas no império azteca — o Autor constrói um instigante e criativo jogo metaliterário, a permear toda a obra e que constitui, isso sim, sua própria essência. É obra plena de significados implícitos e explícitos, arquitetada por estimulante inventividade ficcional, preenchida pela combinação dos ingredientes da aventura e do mitológico, da fábula e do romance histórico num jogo de metaliteratura reflexiva sobre a escrita, a obra, o autor, o leitor e a Arte, concluída por um corolário metafórico-ficcional — a ilha (dos Cães, quer na estória azteca, quer a da vivência de Burton) é o espaço geográfico-físico onde confluem Burton e Hokan, o manuscrito elaborado e o manuscrito(dinamarquês) encontrado , uma espécie de limbo da convergência do escritor com a escrita, do autor com sua obra — e não por acaso (ao contrário: é consciente e premeditado) onde o Autor em questão realiza este seu livro. Antevê-se no Autor um promissor ficcionista, dotado de recursos para o exercício da escrita ficcional : exibe domínio da narrativa , desenvolve-a com fluência e correção — requisitos permeáveis ao tipo mais comum de leitor ; e impõe ao texto sofisticação intelectual --não um mero exibir de cerebralismo e erudição, e sim uma nova função, reflexiva, para o conjunto narrativo --de interessantes significados e referências , fadados a satisfazer leitores mais exigentes. Malvolio out’ 2007
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