BUSCA

Links Patrocinados



Buscar por Título
   A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z


Além as Estrelas são a nossa Casa
(Abel Neves)

Publicidade
Proposta de análise de Além as Estrelas são a Nossa Casa, de Abel Neves

O grande forte do teatro foi, sempre e desde sempre, a sua vertente didáctica. Se o datarmos da pré-história, os homens ensinavam movimentos de defesa e posições ideais de caçada, de modo a evitar perigos e, até, a morte; se pensarmos que o teatro surgiu na Grécia, somos confrontados com relatos de grandes histórias que culminam numa lição de moral, no final, enaltecendo alguns comportamentos e condenando outros. Os castigos dos infractores são levados ao extremo e, ao acabar a representação, os espectadores saem aliviados, pois não lhes aconteceu a eles.
Ao longo da história do teatro esta cadeia narrativa foi preservada e, tal como nos contos tradicionais, cuja estrutura foi tão bem sintetizada por Vladimir Propp, existia uma situação de falsa calma, um elemento perturbador que fazia despoletar a acção, as peripécias inerentes, a vitória do herói e o castigo violento do vilão. A moral era bem explícita e fazia com que os valores fossem questionados e/ou adaptados, para que a vida e convivência em sociedade fossem mais agradáveis e toleráveis.
O texto dramático contemporâneo, por se basear nessa estrutura de história e desenlace moral, conhecendo-a bem, tende a fugir-lhe, numa tentativa de reconstituição, um renascimento criativo dependente da boa vontade de quem assiste e analisa o que vê. Parece haver a preocupação, hoje em dia, em deixar partes da estrutura em aberto para que o espectador possa sentir a liberdade de a preencher, dando-lhe a sua interpretação pessoal e tirando daí as consequentes conclusões.
É o que acontece na peça Além as Estrelas são a Nossa Casa, de Abel Neves. A trama central da peça só começa a transparecer a meio, quando a Terceira Mulher acusa os homens de abusarem dela e da sua situação de pessoa perturbada. A sua linguagem é recheada de paralelismos e o espectador pensa estar a assistir ao discurso de uma louca, mas, à medida que se aproxima do final, a verdade vem ao de cima e o público entende, por fim, que a sua loucura é, afinal, uma lucidez enorme. A personagem (Terceira Mulher) é uma mulher marginalizada inserida num núcleo familiar pseudo-normal, uma outsider que ninguém entende. Aliás, ela sabe-o bem, pois teima em se certificar constantemente disso mesmo, ao pedir insistentemente que repitam certas coisas, ou que lhe confirmem outras. Ela é a vítima de uma família socialmente aceite e, por isso mesmo, desestabiliza-a, sendo inconveniente. O próprio facto de as estrelas serem a sua casa confirma esse carácter de pessoa incompreendida e mal-amada. As irmãs são mulheres fúteis, mascaradas de solidariedade, cuja mentalidade oca vem ao de cima ao mudarem de assunto com leviandade, ao longo do discurso. Há, ao longo de toda a peça, uma descontinuidade narrativa bem marcada, que baralha o espectador, mas cujo objectivo é levá-lo ao final consequente do abuso sofrido. Deixa que seja o espectador a formar opiniões e a formar estereótipos que serão, em parte, desmistificados no final. Mas o final também é pouco claro e a estrutura narrativa permanece em aberto, dando ao espectador total liberdade para a preencher e reinventar, responsabilizando-o pelo processo criativo.
Na peça Se o Mundo não Fosse Assim, de José Maria Vieira Mendes, a estrutura narrativa não foge tanto ao cânone normal. Neste texto são as personagens que se reinventam constantemente por serem representadas por vários actores. Melhor dizendo, os mesmos actores vão saltitando de personagem em personagem, enriquecendo a história e dotando-a de vários pontos de vista, fazendo com que o espectador saia beneficiado. Cada actor atribui um cunho pessoal e diferente à sua representação da personagem e essa multiplicidade talvez pretenda alertar para a multidimensionalidade da natureza humana. Ao assistir à peça, o espectador será, consequentemente, mais autónomo, pois não verá a necessidade de se colar a uma representação, verá, sim, a possibilidade de formar asua própria opinião em relação à personagem e à história, reinventando-a e recriando-a.
Bertoldt Brecht defendeu que o público devia ter um papel activo no teatro, havendo uma mistura de papéis e não sendo necessária a fronteira entre o palco e os espectadores. Talvez porque, ao fazer parte do processo criativo, o espectador saia iluminado e esclarecido, construindo, com o espectáculo, a sua visão da realidade, a sua história, a sua vivência, a sua lição de moral. E talvez entenda que são as várias visões da realidade que enriquecem a nossa experiência enquanto seres humanos.



Resumos Relacionados


- O Teatro Oprimido E Outras Histórias

- Um Édipo

- The Lesson (the Lesson)

- O Artista E O Espectador

- Política



Passei.com.br | Biografias

FACEBOOK


PUBLICIDADE




encyclopedia