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Um pouco mais de azul
(Hubert Reeves)

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Que espécie de música?
Podemos classificar as músicas segundo o grau de liberdade que elas deixam ao executante. Na música clássica as partituras são antecipadamente escritas, cada nota é prevista segundo uma ordem e um tempo imutáveis. Ao invés, as sessões de jazz deixam ao executante uma grande dose de liberdade. A partir de alguns temas, mais ou menos sumários o artista improvisa conforme a sua inspiração. A sua música adapta-se aos auditores. Cada sessão é um acontecimento único, jamais repetido, um happening .
Como se define neste contexto a música da natureza? Todo o desenvolvimento do universo, no espaço e no tempo, está escrito no jogo das interacções das partículas? O voo da andorinha diante da minha janela, as últimas sonatas de Beethoven ou o vosso próximo fím-de-semana no Algarve estavam já inscritos na partitura que há quinze mil milhões de anos os quarks, os electrões e os fotões se preparavam ler e executar?
Nos primeiros instantes do universo, nenhuma estrutura, nenhuma arquitectura, nenhum agregado existia. Tudo é fluido e movente, como a maré alta. O calor extremo e omnipresente reprime inexoravelmente toda a experiência ou tentativa de ligação ou de estabilização. Os rochedos que a maré baixa descobre também existem na maré alta . Mesmo que eu não os veja. Com um equipamento de mergulhador, posso ir em qualquer instante observá-los. Posso fazer o levantamento topográfico, posso assegurar-me de que, à parte alguns pormenores (disposição das areias e dos calhaus), a ausência da água nada modificou na paisagem mineral. Será o mesmo no Universo aquando do desaparecimento do calor? Saberia o universo, quando se banhava no calor destruidor do começo, que forma ia tomar depois do arrefecimento? Recorrendo a uma imagem inspirada na biologia, os «nichos» nucleares e atómicos que iam oferecer-se ao universo estariam previstos em algum Grande Livro?
Hubert Reeves, Um pouco mais de Azul, Evolução cósmica



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