AS DUAS REPÚBLICAS. IN: MACHADO DE ASSIS & JOAQUIM NABUCO: CORRESPONDÊNCIA
(JOSÉ MURILO DE CARVALHO; GRAÇA ARANHA)
O texto “As duas repúblicas” escrito por José Murilo de Carvalho na 3ª edição da obra de Graça Aranha intitulada “Machado de Assis & Joaquim Nabuco: Correspondência” refere-se a coletânea de cartas trocadas entre os dois escritores que dão nome a obra que foi organizada por Graça Aranha em 1923 e publicada por Monteiro Lobato. É pela importância dos dois missivistas que se fez importante a 3ª edição em convênio da Topbooks com a ABL.
Trata-se do conjunto modesto de 53 cartas e um bilhete. Machado comparece com 31 cartas, Nabuco com 22. A primeira carta é de Nabuco, um rapazola de 15 anos, aluno do Colégio Pedro II, que escreveu em 1865 agradecendo os comentários elogiosos feitos por Machado.
Entre 1865 e 1898, 33 anos houve apenas seis cartas. Nesse intervalo, Machado dedicava-se a suas tarefas de burocrata e às letras; Nabuco a política, subindo ao topo da glória em 13 de maio de 1888 e descendo ao inferno em 15 de novembro de 1889. No ambiente hostil dos anos iniciais da República, Nabuco tentou fazer oposição nas páginas do Jornal do Brasil. Mas abandonou o cargo de redator depois que a sede do jornal foi invadida e depredada por exaltados que gritavam: “Mata Nabuco!”. Dedicou-se a biografia do pai e mergulhou no passado, até então nada aproximava os dois grandes nomes de nossa intelectualidade.
A troca de cartas só aumentou a partir de 1899. Fato que pode ser atribuído a convivência dos missivistas na Revista Brasileira e na Academia e, a nomeação de Nabuco e sua partida para a Inglaterra como negociador brasileiro da questão de limites com a Guiana Inglesa. A distância exigia o recurso às cartas: foram 20 nos cinco anos seguintes até 1903. Em 1904, saiu a desapontadora decisão do rei da Itália sobre a Guiana, Graça Aranha retornou ao Brasil, morreu Carolina. Como consolo pelo fracasso da missão, Rio Branco nomeou Nabuco embaixador brasileiro em Washington, prolongando sua ausência do país, que seria interrompida em 1906, durante a Terceira Conferência Pan-americana, realizada no Rio de Janeiro. A dor de ambos e a distância aumentou as cartas para 28 nos cinco anos seguintes.
A mudança se deu na freqüência e no tom das cartas. A postura inicial de respeito mútuo vai aflorar os sentimentos com maior liberdade. E foi Machado de Assis, o famoso introvertido, quem deu o primeiro passo. Nas últimas seis cartas entre eles, até a morte de Machado em 29 de setembro de 1908, o formal caro só retomou uma vez, por Nabuco em 1904 que diagnosticara o contraste entre a correspondência e a obra ficcional.
No campo pessoal Nabuco relutou em exprimir seus sentimentos, o mesmo não se deu em relação ao país. O aristocrata que escandalizou, em Minha Formação, nas comparações que faz do Brasil com a Europa, nas cartas, se revela um saudosista dos amigos e do Brasil.
Revelar intimidades, é o que se supõe que as cartas devem fazer. Sorte dos historiadores que se escrevia muitas cartas no tempo dos missivistas. Futuros pesquisadores não terão tanta facilidade com a substituição delas por outros recursos. Entretanto, é preciso cautela, as cartas ocultam armadilhas, são instrumentos privados de publicação até certo ponto, a publicação póstuma era um freio às confidências. Machado e Nabuco mantêm grande discrição em relação a pessoas e acontecimentos, portanto, é preciso avaliar o que não disseram, captar os silêncios. Quanto ao que disseram, a Academia foi o assunto predominante, tratando do destino e das dificuldades dela sobreviver, além de algumas eleições que causaram mal-estar, como a de Mário de Alencar, sem méritos literários; Graça Aranha, sem livros publicados; e a recusa de figuras como Capistrano de Abreu, Quintino Bocaiúva e José Carlos Rodrigues.
Nabuco defendia o ecletismo e Machado não discordava de Nabuco. Enquanto isso seguiam os embates políticos no país e até Machado de Assis, o apolítico, foi acusado de monarquista pelo jacobino Deocleciano Mártir.
A militância política tinha custo alto, pois a maioria dos homens de letras dependia de emprego público para sobreviver, o próprio Machado foi posto em disponibilidade em 1890 e perdeu, em 1897, seu posto de diretor-geral de secretaria, só recuperando em 1902. fatigados da política, os literatos decidiram criar a república das letras: a Academia.
O primeiro ensaio da nova comunidade deveu-se a Revista Brasileira e a regra era não se discute política. Só se falava de letras, artes, poesia, filosofia. É dessa experiência que surge a Academia em 1897. o grupo era politicamente heterogêneo, natural seria que a presidência tivesse sido oferecida a Machado de Assis, o mais respeitado pelas letras e o menos comprometido com a política.
Fruto dos laços de amizade entre três grandes nomes da literatura e da política nacional, a correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, apresentada por Graça Aranha, testemunha o esforço de construir esse espaço de convivência democrática que foi a República das Letras.
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