Legislador Este é um caminho muito diferente das outras esferas do governo
(Jerson Aranha)
Legislador Este é um caminho muito diferente das outras esferas do governo
São 14h e 30min em Londres. O Big Ben acaba de soar a badalada dos 30 minutos. De uma sala localizada numa extremidade do Westminster Palace sai pelos corredores uma estranha procissão. Ao passar pelos policiais, estes retiram o chapéu e gritam “Tirem os chapéus, estranhos".
O "mundo do legislativo" é diferente das demais esferas de governo
À frente dela o "sargent of arms", devidamente fardado, nas mãos a maça de prata, símbolo de autoridade. Atrás dele o "speaker", figura igualmente curiosa, vestindo uma capa negra, na cabeça uma cabeleira de cachos dourados (wig), embaixo do braço o chapéu negro (capellum).
A seguir, em seqüência, numa fila dupla, homens e mulheres, de um lado os ministros do governo, encabeçados pelo Primeiro Ministro, e de outro os MP (Members of Parliament) da oposição, à frente dos quais vão os componentes do Gabinete das Sombras ("Shaddow Cabinet").
Enquanto o "sargent of arms" informa, numa cantilena que se repete, a procissão vai ganhando novas adesões até chegar às portas do salão onde se reúne o Parlamento. Lá chegando, a procissão estanca e ele dá três batidas na porta com a maça e pronuncia a frase...
Abre-se a porta em par, os membros entram e ocupam lugares em bancos, dispostos ao cumprido, paralelamente às paredes laterais, e o "speaker" dirige-se para o espaço que lhe é reservado, junto à parede dos fundos do salão, de frente para a porta.
Não há mesas individuais para os MPs, nem um suporte para apoiar-se e escrever. Mais estranho ainda. Se todos comparecerem ao mesmo tempo, não haverá lugar para todos sentarem. Muitos terão que ficar em pé. Este ritual repete-se a cada sessão do Parlamento.
Não é novidade que esta é uma situação "sui generis". Afinal, a Inglaterra venera suas tradições, constrói em torno delas toda uma dramatização e ritualizá-la em procedimentos.
Na imensa maioria dos parlamentos, os procedimentos são bem mais simplificados e "normais", assemelhando-se às reuniões que se fazem nos governos. Entretanto, o "mundo do legislativo" é diferente das demais esferas de governo, muito diferente... Quem é legislador já sabe. Quem, nesta eleição, conquistou um mandato legislativo, logo ficará sabendo.
Tudo no Legislativo precisa ser pensado a partir da sua peculiar constituição. Ele é um órgão plural e igualitário.
Tudo que caracteriza a ação do legislativo, decorre desta condição:
- Suas hierarquias formais são funcionais e não políticas. Jamais poderão subordinar ou obliterar os poderes inerentes ao mandato que uma parcela da população outorgou ao representante que elegeu;
- Diferenças pessoais entre os legisladores, seja de instrução, recursos, antiguidade, prestígio, votação, não alteram a igualdade absoluta dos mandatos;
- O representante, individualmente considerado, é politicamente fraco frente aos membros do executivo. A "Casa", contudo, é tão ou mais poderosa do que o executivo; - O legislador encontra sua força política na sua associação com outros legisladores. Este é um poder que foi concebido como coletivo. Nele a individualidade é livre para se manifestar, mas pouco eficiente como poder;
O legislador encontra sua força política na sua associação com outros legisladores
- Por estas condições o trabalho legislativo é muito mais difícil, complexo e demorado do que a ação do executivo;
- Por elas também, o estilo do trabalho parlamentar tem a marca da negociação, dos acordos, dos compromissos, das infindáveis conversas e reuniões, da busca constante da maioria mediante transigências mútuas e concessões;
- Destas mesmas condições provém a imagem negativa junto à opinião pública que, desinformada, vê nesta cultura de acordos, negociações e compromissos, sinais de falta de espírito publico, de falta de princípios, quando não de corrupção;
- Delas também provém o maior desafio político do parlamentar: "Como se destacar entre dezenas de colegas, como deixar sua marca; como fazer diferença; como ser percebido como um parlamentar eficiente ao fim de seu mandato?";
- Esta condição é também responsável por outros desafios, não menos importantes para o sucesso de uma carreira política:
Deve especializar-se em alguma área ou deve cultivar uma postura eclética, atuando em todas as áreas?
Deve tornar-se um líder parlamentar, um legislador que sabe fazer a complexa máquina funcionar, que adquire os talentos e a autoridade para levá-la a decisões, e a quem os demais membros recorrem para conselho e orientação, ou deve preocupar-se em ser um líder político junto à opinião pública?
Como manter sua independência e ao mesmo tempo a sua fidelidade ao partido e ao governo?
Como deve votar quando suas convicções apontam numa direção e a opinião dos seus eleitores aponta noutra?
Qual o limite de transigência que pode ter com o bloco do governo, se estiver na oposição?
Deve procurar "pular" para o executivo, assim que a oportunidade se oferecer, ou deve cumprir seu mandato legislativo até o final?
Deve concentrar o melhor de si mesmo no trabalho pouco visível das comissões da Casa, ou nos debates de Plenário e nos discursos?
Estas são algumas das difíceis e complexas decisões que o legislador precisa tomar, no exercício de seu mandato. Nenhuma delas atormenta o funcionário do executivo.
É por todas estas razões, também, que o Mundo do Legislativo é tão diferente, tão incompreendido e muitas vezes tratado com tanta injustiça pela opinião pública e comentaristas.
Resumos Relacionados
- Poder E Funções Da Assembléia Representativa
- Política Do Brasil E Presidente Do Brasil.
- Em Decisão Unânime, Senadores Aprovam Fidelidade Partidária
- Quanto Vale Um Presidente?
- Http://10.200.35.58/intranet/assessoria.nsf/principalweb?openform&conteudo=clipping/notícias/546ec59
|
|