Cruz e Souza no Rio de Janeiro
(Salomão Rovedo)
A presença no Rio de Janeiro do poeta Cruz e Sousa (1861-1898), foi de decepções e intenso mal-estar. Apesar de ser uma capital moderna, não estava infensa a receber com hostilidade as pessoas da província. O poeta esperava que a capital do país, uma cidade intelectualizada, moderna, reconheceria o seu talento. Na primeira vinda, ele bem que tentou se estabelecer, mas foram tempos de portas fechadas, de dificuldades e poucos amigos. Conheceu Nestor Vítor, grande amigo, fiel divulgador de sua obra.
A Confeitaria Colombo na época tinha ares de Academia de Letras. Lá dentro, Cruz e Souza conversa com Oscar Rosas. Graças a ele e a outros, como Emiliano Perneta, o poeta conseguiu se fixar no Rio de Janeiro. O movimento literário vigente é o Parnasianismo. Os “poetas oficiais” reconhecidos e consagrados, são na verdade uma tríade: Olavo Bilac, Raimundo Corrêa e Alberto de Oliveira, donos de uma poesia voltada para a objetividade pictórica de sabor neoclássico, que prima pelo culto à forma.
Nesse meio, Cruz e Sousa foi o seu tanto parnasiano, esteta da Arte pela Arte, cruza espadas com o grupo, mas quem pode negar a semelhança entre seus versos e os parnasianos, à preocupação com a composição, a forma, tão tipicamente locais? Quem pode ignorar a sensualidade, sinestésica, cuja característica se mostra exatamente o oposto à impassibilidade parnasiana? A poesia de Cruz e Souza está a um passo da sublimação, a um segundo da ascese, a um degrau da transcendência. O poeta sabe que, “para atingir o mundo das essências, é preciso primeiramente destruir o mundo concreto”
O poeta, no limiar entre o fora e o dentro de si, o fora e o dentro da arte. Sente os impulsos, a inspiração, entre lisonjeado e envergonhado, Cruz e Sousa emudece. Mantém a atitude reservada e desconfiada diante do que não reconhece. Recusa homenagens, mas não pode adiar a necessidade urgente de dinheiro: os 250 mil réis mensais de salário não chegam para o aluguel, o sustento dos filhos e para o tratamento da saúde que não ia bem. Apenas o amigo Nestor Vítor repara no olhar opaco, no tom baixo da voz, na perda de peso, na angústia e dependência do cargo medíocre e burocrático, que o obrigava a escrever até às altas horas da noite.
Apresentado ao admirado Alphonsus de Guimarães, Cruz e Sousa declama alguns poemas. Os que ouvem percebem que a poesia apresenta temas de sofrimento, de morte, de redenção. Realizado, Alphonsus de Guimarães se recolhe. Viu realizado o desejo de conhecer o “Cisne Negro”. Agora pode voltar para Mariana e viver escrevendo poemas. O grupo se desfaz. Cruz e Sousa parte para casa, sem o dinheiro de que precisava.
Algum tempo depois, Cruz e Souza não tem mais nada a pedir, nem dinheiro. Pressente que percorre a última caminhada. Confia ao parceiro que sempre esteve a seu lado, Nestor Vítor, a trilogia de sonetos “Pacto das Almas”, em que professa a crença no encontro com o amigo em outra dimensão e o volume inédito de poemas em prosa “Evocações”. É uma despedida, o poeta sente o agravamento da tuberculose, que causa sofrimento e traz a morte.
Somente quando a portadora de avisos – aquela que não manda aviso – cerrou as pálpebras do poeta que os admiradores se deram conta que perdiam um grande homem. Surpresa, a cidade se comoveu. Para Nestor Vítor, o amigo fiel, divulgador de sua obra, sobrou a obrigação de acender as velas ao lado da fotografia em sépia colocada numa mesinha ao lado do corpo.
(Baseado em texto de Marise Soares Hansen)
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