Comes Comigo?
(Pedro Seromenho)
Naquela mesma noite preparei o jantar com todos os requintes possíveis e imagináveis de uma ceia medieval. Cobri a mesa de pinho com um lenço de linho, bordado com figuras mitológicas e dizeres arcaicos. Preenchi os espaços vazios com algumas peças de estanho envelhecido e poli-as. Para me precaver, abri uma garrafa de vinho tinto maduro da melhor colheita, que guardara para ocasiões especiais como esta, e despejei-a lentamente para decantar na borda da mesa. Afastei-me de pronto e deixei-a ali a respirar, naquele fumegar encorpado que pintava o ar de carmim. Enquanto isso aqueci cautelosamente os cálices de cristal e acendi um par de velas brancas de jasmim, que nos transportavam no seu odor para um jardim de delícias terrenas. Nem sequer me esqueci do pormenor de apagar as luzes do tecto e de acender apenas dois candeeiros, que se escondiam nos cantos da sala. Queria convidar todas aquelas sombras inanimadas a dançar connosco, como sereias mergulhando à nossa volta. Não era difícil deixar-mo-nos levar pelo imaginar de um mar imenso e fresco, que nos incitava a refrescar a face contra o encrespar das ondas salgadas. Bastava-nos olhar para aquelas ostras carnudas, que escorregavam para fora das suas conchas e que manchavam a toalha com salpicos de limão. A mesa estava posta. Tal e qual como eu queria. Esta tão composta e rica, que fazia lembrar um jardim de orquídeas coloridas, cultivado e podado com amor. Para centrar tudo aquilo, escolhi uma terrina de barro avermelhado, semi-coberta por lenços de cetim siena. De dentro sobressaía um frondoso pernil de porco assado no forno, que fumegava regado com azeite, cebola salteada e salsa. Foi esse vapor espesso e quente que nos entrou rapidamente pelas narinas, apossando-se dos nossos corpos famintos. Passamos os olhos naquele manjar e ganhamos fome de desejo. Ficamos impacientes. Saquei uma ostra ao acaso e passei-a ao de leve nos meus lábios. De início ainda tremiam, mas cedo adormeceram naquela concha. De repente era como se a tivesse a vestir com o meu respirar. Trocando sabores. Simulei engoli-la num trago e demovi-me, fitando-a nos olhos como a cascavel quando se ergue sobre si mesma. Foi o impasse. Que se seguiu de um esboçar de sorriso, daqueles que nos chamam e encantam. Franzira a sobrancelha com malícia e libertara os cabelos com um rodar de pescoço, soltando-os como as penas de um pavão. Tornara-se tarde demais para tomar a iniciativa. Num desengonçar propositado, ela debruçou-se sobre a mesa e espreguiçou-se na minha direcção, deixando escorregar a alça do vestido pelo braço. O ombro prolongou-se até ao seio semi-exposto, que emergiu pontiagudo num mamilo pequeno e rosado naquele decote folhado. Trouxera um vestido de linho alaranjado aberto nas costas e decotado, com malmequeres bordados em ponto cruz. Lembrava-me uma das pinturas impressionistas de Monet. E impressionava. Era suficientemente transparente para imaginarmos ancas curvilíneas e uma cintura delgada, sem vermos. Não há nada mais bonito que a sugestão do corpo de uma mulher.
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