SOB O SOL
(Joaquim Itapary)
Continuo ruminando Sob o sol, que é o tipo do livro para ser lido assim, como se fosse um saco de pipocas que se vai comendo aos bocadinhos. Divido a leitura com Ópera dos mortos, de Autran Dourado e O lobo da estepe (Hermann Hesse). De sobra amenizo o peso, relendo uma ou outra página aberta ao acaso de Estrela da vida inteira, que foi a vida de Manuel Bandeira, pois escrevia com a morte ao lado. Veja se não é um momento fabuloso de leitura, esse de dividir o romance brasileiro (eu classificaria Ópera dos mortos como novela. Está claro que não é romance), com o romance alemão e rebater o peso dessa feijoada literária com alguns doces de crônica e poesia.
A partida Dourado vs. Hesse vai seguindo 1x1. Dá bem uma noção de quanto é importante a literatura brasileira, mesmo quando se limita a retratar um quadro bem comum do século 19, quando a leitura simultânea se dá com um escritor alemão. Uma peleja é entre um contador de estória e um pensador. No romance brasileiro a gente entra de cheio na psicologia íntima, vizinho da loucura, enquadra-se num diminuto azulejo social, uma fotografia pegada ao tempo-espaço, um quadrilátero em que o lio da narrativa ondula como um quadro estatístico. No Lobo da estepe o foco é o homem, o marginal que não se dobra à política que o dirige com mão de ferro, o fio condutor rigoroso, construído num alicerce, aprumado em uma linha reta que não desconsidera a emoção. De início, um chamamento ao livre-pensar e breve análise sobre o suicídio: de um lado o suicida que se mata sem ser o suicida psicológico. Do lado oposto o suicida inato, teórico, que nunca se mata, mas se suicida a cada minuto, a cada momento da vida, suicida por natureza.
O quanto nos separa do pensamento europeu! (excluindo-se Inglaterra e a Escandinávia dos bárbaros), o que sobrou no mundo de herança para nós. Estamos falando de ocidente, do que gregos e troianos deixaram. Porque tirando França, Alemanha e alguns satélites mais ao Leste, não se aproveita nada: o núcleo basilar da cultura fixou-se na França e Alemanha. Claro que a Itália tem bons pensadores, sobra da cultura romana, mas mesmo a Itália, a Espanha, esse núcleo da Europa, já mama diretamente nas tetas germânicas e gaulesas. Não é para lastimar de modo algum se também tiramos o leite de nossa cultura da mesma fonte.
Um dia desses caiu-me nas mãos o romance Os catadores de conchas. Calhamaço de mais de 600 páginas, muitas edições (na verdade reimpressões). A estória em si é bem pequetitinha, não é romance é um conto de 600 páginas. Não é uma saga, como diz um crítico do N.Y.Times na contracapa. Páginas e mais páginas declamando paisagens, plantas, flores, receitas, cenas britânicas que outros escritores descreveram bem melhor. O conjunto ficou ruim, não sei se devido à tradução ou à autora (se foi escrito no “inglês” da Irlanda, o tradutor tem de ser bom). Para não ser injusto, divido pelos dois.
Quanto a Sob o sol, se eu pudesse mudar alguma coisa seria na estrutura do livro. A cada vez que leio vejo que os escritos políticos, éticos, morais e estéticos se destacam, assumem importância tal que deveriam ser enfeixados. Porque assim apresentados teriam o poder de atrair a atenção, provocar reflexão, irritar certas camadas da política e da intelectualidade. Seria, no meu sonho, a primeira parte do volume. A outra viria com a história, as amenidades cotidianas, também importantes, mas não tanto. Já que nada pode ser feito, o filho é nato e já completa dois anos, tomara que sirva de sugestão para o futuro.
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