Maria Fumaça
(Lucapajuli)
MARIA FUMAÇA Sempre que dirijo meu carro pelas estradas, ao me deparar com o grande número de veículos de carga transportando de tudo, sem mencionar o tráfego pesado de ônibus, peruas e vans destinados a pessoas, fico a pensar como os homens públicos conseguiram acabar com as poucas estradas de ferro existentes. Destinadas ao transporte de massa e de cargas, serviram para desbravar os sertões e fundar cidades e vilas. Trouxeram o progresso econômico e o desenvolvimento. Esses políticos obtusos, curtos de visão, talvez motivados por interesses escusos, viveram na contra-mão da história de outros países da Europa e da América, as quais criaram trens cada vez mais rápidos e econômicos. Eles não só acabaram com os trens de ferro e com toda sua logística, como incentivaram toda indústria dos veículos destinados aos transportes individuais, coletivos e de cargas sobre pneus, deixando, em contrapartida, de incrementar estradas com pavimentação de qualidade, com fiscais instruídos e isentos. Esses mesmos políticos e seus sucessores nada têm feito para minimizar desastres e sinistros de toda ordem, que causam prejuízos incalculáveis a todos. As estatísticas mostram que morre mais gente no trânsito do que na guerra do Iraque. Hoje se fala em tentativas para diminuir o número de veículos circulando nos grandes centros, causando transtornos de toda ordem, mas se esquecem de que o cidadão só deixará seu automóvel em casa se tiver meios de locomoção de qualidade. Fazendo eco ao verso do poeta e com o coração triste diante desse panorama caótico no qual foi transformado nosso sistema de transporte de bens e de pessoas, volta e meia me lembro da saudosa Maria Fumaça da minha infância querida, que os anos não trazem mais. Oh, que saudades da minha linda locomotiva a vapor que adentrava ao pátio da estação da minha cidade natal batendo o sino e soprando fumaça pra todo lado. O “frisson” para o embarque já começava bem antes quando meus pais ou parentes pegavam as malas ao toque da campainha da estação, que mais parecia um despertador, avisando que o trem partira da última parada. Os olhos de todos se dirigiam para o lado pelo qual a Maria Fumaça vinha. Quando a locomotiva apontava na curva, resfolegava rolos de fumaça branca e chiava ao entrar na plataforma, indo parar depois de o maquinista entregar o “staff” ao chefe da estação. O trem para poder partir primeiro teria de ouvir, por duas vezes, o apito (como aquele do árbitro do futebol) do chefe e responder, também por duas vezes, e o maquinista só estava autorizado a movimentar a locomotiva, depois de pegar o “staff”, uma espécie de aro de arame e borracha, o qual deveria ser entregue por ele ao chefe da próxima estação. Enquanto o trem não partia a movimentação era grande dentro e fora dos carros de passageiros, as pessoas se despedindo, os ambulantes vendendo seus quitutes no grito, os jornaleiros colocando revistas e jornais nas mãos dos passageiros e cada um se acomodando da melhor maneira possível porque a viagem, podia ser curta, mas era demorada, graças à lentidão com que o trem ia deslizando pelos campos e montanhas. Só mais tarde, com o advento dostrens puxados por máquinas diesel ou elétrica é que as jornadas foram encurtadas pela velocidade e maior conforto que esses trens podiam propiciar. Quem queria ganhar tempo e podia arcar com a despesa procurava se acomodar nas cabines do carro-leito, nos trens noturnos. Gente mais simples viajava acotovelada na segunda classe em bancos incômodos de madeira e não tinham direito de ir ao restaurante do trem, cujo acesso só cabia aos passageiros da primeira classe ou do carro “pullman”. Alguns detalhes do que acontecia no trem chamavam a minha atenção. Um deles era o trabalho frenético do “foguista” que jogava lenha na fornalha da máquina para ser queimada e produzir a energia necessária à movimentação do trem. As faíscas soltadas da chaminé da locomotiva faziam lindos desenhos no ar junto das janelas dos carros e se sobressaíam quando a noite vinha, obrigando o passageiro a fechar o vidro. O chefe do trem muitas vezes acordava o passageiro para pedir o bilhete para picotar. O sujeito fazia cara feia, enfiava a mão no bolso, o chefe agradecia e ele tornava a cochilar. Nas cabines dos carros leito era difícil de dormir pelo barulho e pelos gritos do chefe que a cada próxima estação anunciava o nome dela. Infelizmente até os trens antigos que fizeram papel preponderante na nossa história, estão hoje no relento, suas peças metálicas e outras de valor foram saqueadas, viraram sucata inaproveitável. Poucos abnegados, cujo número se conta nos dedos, estão a se preocupar com os trens de passageiros, de cargas e com os enormes benefícios que poderiam trazer ao desenvolvimento. Será que é difícil trazer às populações trens idênticos aos dos metrôs de certas capitais? Será que é impossível construir, com o concurso da iniciativa privada como o foi no passado, trens modernos, velozes, baratos? Aqueles, como eu, que tiveram um dia o prazer de viajar pitorescamente nas Marias Fumaças e nos trens elétricos, deixaram há tempos de acreditar nos homens públicos que certamente têm interesses em outras direções, como se vê das recentes privatizações das rodovias federais...
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