Andrade, Mário
(fatibel)
Daqui a vinte anos farei teu poema e te contarei com tal suspiro que as flores pasmarão, e as abelhas, confundidas, esvairão seu mel* Me apego aos próximos vinte anos. Existirão eles ou, simplesmente se transformarão em lacunas de um tempo que não tem mais volta?
Existirei daqui a vinte anos, ou serei apenas mais um tanto de pó que cobre as calçadas? Obtusas perguntas que não merecem senão obscuras respostas....
Ah, mas só daqui a vinte anos... Quem sabe, farei um poema único, indescritível, imensurável, onde não exista nem começo, meio ou fim . Apenas um poema.
Um poema no qual contarei... ah,, contarei... Contarei os dias de felicidade, as alegrias significativas e , até as que não foram tão importantes... Contarei suspirando, do tanto de amor que vivi...das tantas esperanças que acalentei... de tantos sorrisos que esperei....
Nesse dia, quando souberes de tudo, desejarás que as flores murchem. Ficarás tão infeliz ao saber da verdade, da tua insensatez que não gozarás mais qualquer perfume. Desejarás estar nesse mundo: só. Completamente só! E nessa solidão, vais lembrar das abelhas, bem-te-vis, borboletas, De um apito ao longe. .. de um trem que passa ... Vais lembrar, porque te contarei, de tantos instantes bonitos, De noites, de luas, de estrelas e de sóis... De nuvens, de trovoadas, de chuvas... De beijos, de abraços de carinhos... Cada momento, que te farei recordar, será um golpe em teu peito. Haverás de querer pedir “mais um pouco, por favor”. Porém tuas forças não permitirão: Confundistes as emoções. Do que recebestes, deixastes a dor e o amargor. O mel se transformou em álacre sabor. Nesse dia, desejarás, mas não conseguirás chegar ao que mais desejas: Voltar! Mas, isto se dará daqui a vinte anos... Até lá, terás todo o tempo para rememorar. Embora o perfume jamais irá voltar.... Daqui a vinte anos farei teu poema e, juro: vais chorar! ( im. Mario de Andrade, carta aos Mineiros do livro “Visitas a Minas Gerais”- 1944 p.98)
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