Morte e vida Severina
(João Cabral de Melo Neto)
A dura trajetória do imigrante nordestino
Para entender Morte e Vida Severina (1954-5) é interessante prestar atenção em seu título e subtítulo, “Auto de Natal Pernambucano”. O primeiro termo que pode ser analisado é “auto”, que liga a obra ao teatro da Idade Média, principalmente o ibérico, não só pelo uso de redondilhas e da rima espanhola (que se estabelece apenas com a última vogal tônica), mas também pela fusão de elementos contemporâneos e medievais, esquema que já fora utilizado em Gil Vicente, principalmente no Auto da Barca do Inferno (1517).
A próxima expressão é “de Natal”. Poderia reforçar as características do termo anterior, anunciando uma temática religiosa na obra. No entanto, João Cabral não teve preocupações religiosas aqui. A estrutura serve apenas para veicular sua visão crítica do mundo, num esquema semelhante aos autos de Gil Vicente, que não eram essencialmente preocupados com religião. Na verdade, a expressão em questão está mais ligada ao seu final, em que há o nascimento de uma criança.
O adjetivo pátrio “Pernambucano” põe em foco o fato de o ambiente em que se passa a história, além dos problemas, ser desse estado. Além disso, muito da obra foi retirado do folclore pernambucano. Não se deve esquecer que João Cabral, ao receber o pedido de Maria Clara Machado para escrever uma peça a ser encenada no Natal, sentiu dificuldade na tarefa – era virgem nesse gênero – que só foi superada depois de estudar a cultura popular de seus conterrâneos.
Todos esses elementos vêm da análise do subtítulo. O título, por sua vez, oferece mais aspectos importantes. Primeiro, o seu adjetivo, “Severina”, que vem de um substantivo próprio. João Cabral inova sobre a língua ao fazer o caminho inverso. É comum adjetivos virarem nomes, como o próprio “Severino”, que vem de “severo” (difícil, árduo, rígido). Se se juntar a idéia de que Severino e Severina são nomes muito comuns no Nordeste, pode-se entender que se está falando de uma vida (ou morte) tipicamente nordestina, porque é difícil, rígida, severa.
No entanto, o aspecto mais interessante é a inversão que se estabelece entre os substantivos “morte” e “vida”. O normal seria a vida vir primeiro. Mas a mudança de posição que se estabelece no título índica o estado crítico em que se encontra o Nordeste, com a morte vindo em primeiro lugar, ou seja, com presença mais marcante, intensa. Não é à toa que, na distribuição das 18 cenas da peça, 12 foram dedicadas à morte, o que cria uma proporção de 2:1 entre morte e vida. A morte é o dobro da vida.
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