Pequenina
(Honoré du Balzac)
Neste conto, Balzac, discípulo de Rabelais, mestre de Flaubert e Maupassant, exercita sua maestria no estudo da alma das personagens, que surpreendeu o público dos dramalhões de capa e espada da época."Pequenina" é o suporte usado pelo narrador-observador onisciente de que se traveste Balzac para relativizar o espanto de sua interlocutora com a afeição dos animais pelo domador Mr. Martin(...) - Então a senhora crê que animais são isentos de paixões? nós podemos transmitir-lhes vícios que proliferam em nossa civilização.A primeira vez que vi Mr. Martin exclamei incredulidade. Estava ao lado de um velho militar de perna amputada. Um desses veteranos que já não se surpreendem com nada. Conseguem achar graça nas contorções de um agonizante. Enterram, saqueiam, com indiferença. E, assim, ante minha admiração, disse-me que isso era natural. E, para comprovar tal naturalidade contou-me um episódio de sua vida durante a incursão dos franceses no Egito. Um soldado provençal preso e levado por árabes maugrabinos, consegue a fuga de um acampamento no deserto, além das cataratas do Nilo, após apoderar-se de armas, provisões e um cavalo. O animal morre extenuado e o soldado alcança um local de rochas e palmeiras, onde adormece, já arrependido da fuga. Despertou num espaço sem horizontes tangíveis, onde o séu e a terra ardiam em brasa. Desesperou-se! Engatilhou a carabina. Por fim desistiu. Desceu por onde subira a colina e alegrou-se ao descobrir uma gruta com tamareiras, água e uma velha esteira; o que lhe deu esperanças da passagem de algum grupo viajante. Com as folhas da rainha do deserto que derrubara fez a esteira em que se deitaria à noite. O calor e o trabalho o adormeceram. Contudo, o ruído de uma respiração selvagem o despertou de sobressalto. Leão, tigre ou crocodilo? Um cheiro mais acre do que o das raposas. O reflexo da lua tornaram gradualmente visível a pantera; esse leão do Egito, cujos olhos, abertos por instantes, logo se fecharam. Pensou na carabina. Mas a pouca distância não era segura. Levou a mão à cemitarra. Porém, a dura pelagem falharia o corte. Ao despontar o dia, viu pelo sangue nas mandíbulas, que ela se fartara na carne de seu cavalo. Era fêmea. Recuperando a coragem segurou o punhal que roubara dos maugrabinos. O animal se encaminhou para ele, que como se a estivesse acariciando, correu a mão pelo lombo da pantera. Da cabeça à cauda. Esperando a pior reação, surpreendeu-se com o ronronar de gato da fera. Repetiu a carícia e percebeu a perda de sua ferocidade. Esfregou-lhe o ventre, coçou-lhe a cabeça com as unhas. Passou-lhe o punhal no crânio, aguardando o melhor momento para o golpe. Devia golpeá-la no pescoço, de uma só vez. Ela se deitou graciosamente aos seus pés. Receou um insucesso. A fria crueldade dos tigres predominava ali, mas possuia a vaga semelhança com uma mulher sensual. O soldado tentou andar para lá e para cá. Ela o seguia com os olhos, menos como um cão fiel do que como uma grande angorá. Quando se voltou para a fonte, descobriu os restos do cavalo. Dois terços já tinham sido devorados. Isto o serenou. Mesmo assim conservava uma mão sobre o punhal. Pensava enterrá-lo no ventre da pantera, mas tinha medo da última convulsão que o estrangulasse. No coração um remorso que mandava respeitar uma criatura inofensiva. O soldado esperou, com impaciência, o instante da fuga para ver se descobria outro covil durante a noite. A imprudência o levou para um areal movente, donde é impossível salvar-se. A pantera agarrou-o pela roupa e o tirou do abismo. Voltou para a gruta e acabou adormecendo. Ao acordar não não encontrou "pequenina". Da colina viu-a chegar com as mandíbulas ensanguentadas. A solidão ensinou-o a comparar sua vida passada com a presente. Por fim apaixonou-se pela pantera. Era-lhe necessário uma afeição. Admirava a flexibilidade com que saltava, escorregava, se agarrava. As grandes paixões acabam sempre por um mal entendido. Certo dia, um imenso pássaro cortou os ares. O soldado deixou a pantera de lado. Cultivou a amizade de uma águia, até que ela desapareceu no espaço. A pantera estremeceu quando as unhas de seu amigo coçaram-lhe o crânio. Não se sabe que mal o soldado lhe causou, mas ela voltou-se contra ele enraivecida, e com os dentes aguçados mordeu-lhe levemente a coxa. Este assustou-se e entendeu que ela o quisesse devorar, desferiu instintivo e fulminante golpe com o punhal em seu pescoço. Era como se tivesse assassinado um ser humano. Os soldados franceses que tinham visto a bandeira e corrido em seu socorro, o encontraram em lágrimas.
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