Zona de Conforto
(Alexandra Fernandes)
Numa das últimas edições da revista Época, o escritor e jornalista Dagomir Marquezi, escreveu sobre a “zona de conforto”. Esta é uma área da mente, onde se guarda as melhores lembranças (geralmente boas recordações de infância). Ele cita que ouviu falar sobre a zona de conforto a primeira vez, com o eminente psiquiatra Hannibal Lecter (O Silêncio dos Inocentes). Hannibal dizia que em situações de estresse, ele ficava em silêncio e seu cérebro flutuava num “best of” de sua memória. Geralmente envolvendo cheiros de infância, obras de Johann Sebastian Bach e refeições marcantes. O autor descreve então, o que se encontra na zona de conforto de seu pai (rumbas selvagens de Xavier Cugat), de sua mãe (Rock Hudson sempre pede Doris Day em casamento ); e na dele também: Patolino soltando perdigotos berrando para o impassível Pernalonga. Rin-Tin-Tin late para o cabo Rusty. Jerry Lewis e Ronald Golias comandam suas risadas. Enquanto ele conta tudo isso em seu texto, percebo um leve sorriso em meu rosto, e me pego buscando a minha zona de conforto. Encontro várias. Desde cheiros da minha infância, músicas que permanecem audíveis dentro de meu pensamento, lugares marcantes. Cheiro de frutas: da goiaba vermelha apanhada no pé, que antes de comer eu cheirava toda rodando ela na mão de olhos fechados; cheiro da laranja que o vendedor descascava na frente da clínica de meu Pai, com uma maquininha que tirava a casca como uma serpentina; cheiro de cajamanga, fruta que só vi em minha cidade, feia, mas muito, muito cheirosa, quando a gente morde e ela está madura chega a se pensar “não é preciso tanto para ser feliz”. Cheiro de gente: cheiro de esmalte, sempre branco, sempre fresco nas unhas de minha Mãe ( que saudade sua ); cheiro de esparadrapo, sempre fresco também, nas mãos de meu Pai ( que é médico, mas também vivia se machucando ). Cheiro de casa: sempre que a gente chegava na represa, abria a porta de correr, e aí vinha um cheiro de felicidade e chão de tijolo à vista, abria a porta do quartinho da represa para pegar as bóias e os esquis, e vinha um cheiro de gasolina de lancha e água no rosto. Está vendo? Músicas que tocam em meu pensamento: deitada no banco de trás de um Landau azul turqueza, ouvindo Nat King Cole (Catito Catito Catito mio ). Deitada num sofá de couro amarelo, com tanto sono depois do almoço e ouvindo Dorival Caymmi (Minha jangada vai partir pro mar, vou trabalhar, meu bem querer.. Se Deus quando eu voltar do mar, um peixe bom eu vou trazer. Meus companheiros também vão voltar e a Deus do céu vamos agradecer..). Lugares marcantes: a represa, a estrada que levava até ela, cheia de morrinhos, que iam me dando tanto frio na barriga, e eu ficava em estado de graça cantando parabéns para tudo e para todos que eu via no caminho. O riacho da fazenda do meu Pai, eu entrava devagar naquela água gelada, transparente, e dava um passo e esperava a areia fina e branca assentar, quando conseguia ver meu pé com perfeição,dava mais um passo e começava tudo de novo. A sala de ballet do meu conservatório: eu abria a porta bem devagar, ouvia a música tocando e andava por trás do biombo até conseguir ver o que estava acontecendo lá dentro. Me sentava no chão, embaixo da barra, as vezes até duas horas antes da minha aula, e ficava maravilhada vendo tudo aquilo, todo o esforço das meninas, e principalmente de uma grande amiga que sempre chamei de “grande bailarina”. O autor Dagomir, da revista Época, fala que estes são momentos de prazer em estado puro, sem o senso de ridículo que o tempo costuma criar em nós. Concordo plenamente. No final do texto dele, ele pergunta: prezado leitor, o que é que você identifica neste exato momento circulando por sua zona de conforto? Abuso dele e faço a mesma pergunta, e você, o que é que passou pela sua zona de conforto depois da minha confissão?
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