Testemunha de Um Século
(José Augusto de Melo Vargas)
TESTEMUNHA DE UM SÉCULO Jose Augusto Vargas (Alegrete, RS, Brasil – Set 2007) Dona Conceição Chiappa,completou 101anos dia 19 de setembro de 2007. Casou-se com Augusto Marques Vargas, com quem teve dez filhos,três deles, já falecidos. Para marcar o centenário, a família decidiu reunir a geração remanescente; filhos, netos e bisnetos, numa comemoração que pretendia homenagear a personalidade singular da “vó ceção”, que ainda mantêm-se atenta ao mundo. Com uma refinada ironia em relação ao que o cerca e uma coleção de lembranças de sua vida, muitas ligadas a personalidades conhecidas do nosso tempo, Conceição revela um pouco da vida cotidiana das famílias alegretenses por volta do ano de 1920. Dona Conceição Chiapa nasceu em 1906, quando a população do município era, quase toda ela, concentrada na zona rural. Foi criada pelo seu tio, Zeca Chiapa, um italiano atacadista, fornecedor de mercadorias para as principais famílias do município. Seu trabalho era o de ajudar nas entregas dessas mercadorias. Por ocasião desses contatos, conheceu o garoto Mário Quintana, ali na “Farmácia da esquina”, apaixonado por rapaduras, sua sobremesa predileta. Quando levava as rapaduras de Quintana, Conceição ganhava um ou dois sabonetes de presente. Sabonetes da indústria Myrurgia, o fino da época. Também testemunhou as peraltices de Adão Faraco, quando tinha seus 3 anos de idade. O guri costumava urinar nas massas da fábrica que a família mantinha no centro da cidade. As lembranças a divertem.Ela sorri, e seu sorriso é leve como uma pluma, enquanto narra com precisão de detalhes, os momentos de sua juventude numa cidade que ainda não ganhara a violneta urbanidade atual, e que ouvia, vez por outra, no silêncio das tardes modorrentas de verão, o apito do trem “Maria Fumaça”, que cortava a cidade e entorpecia o ar com o seu vapor. Os olhos pequeninos da vó Conceição, deixam escapar uma ternura somente possível no olhar das crianças, uma transformação daquelas feitas por Lili, que ficava recriando o mundo, nas poesias de Quintana, que talvez já teria adivinhado que um Anjo dos seus, que ele ainda não havia inventado, escapou na brisa de uma manhã e desceu pra terra e que um dia, revelaria ao mundo, uns “detalhezinhos” bem sutis de seu ainda bebê poeta. Uma a uma das famílias tradicionais da cidade vão desfilando nas lembranças da vovó Conceição. Os Milanos, a família Maciel, os Faracos, Os Quintanas, “uma gurizada” que segundo ela, “passava brincando na frente de casa”. Quando lhe perguntam qual o segredo da longevidade, não hesita em responder com uma arrancada bem divertida, começando com uma apologia ao descaso: “Ora...é muito simples. Basta não dar ouvidos pra muita coisa”. Quando diz “muita coisa” ela dá uma piscada marota, depois arremata: “Se tu começa a se preocupar demais com tudo o que te rodeia e dá muita “bola” prá problemas que com certeza irão se resolver, de um jeito ou de outro, é aí que tu começa a fazer mal pra saúde. É preciso que a gente feche os olhos para algumas situações da vida..deixar que ela aconteça...” Houve um tempo em que a simplicidade era um atributo entre as pessoas. Vó Conceição não deixa de lembrar a importância da convivência entre as famílias da época, em razão dessa maneira de ver os outros, os vizinhos, os amigos. Para ela, naqueles tempos de juventude, os “troncos” das gerações mais tradicionais da época de hoje, eram pessoas de bom trato, que valorizavam a amizade e reuniam-se de forma mais freqüente, além de não darem importância com relação a quem tinha mais ou menos riquezas. “Hoje as pessoas são desamorosas” lamenta a vovó. Uma nuvem de tristeza paira em seu rosto, que mais parece um mapa pequenino, um relicário de lembranças. Remexe em velhas fotografias e depois arrisca em dizer que “se as pessoas fossem mais unidas, mais solidárias, especialmente se pertencentes a uma mesma família, não haveria tanto inimizade. É difícil de entender como a gente vai se distanciando de tudo e de todos. Depois acabam ficando sozinhas e não sabem porque. Só querem o venha à mim e a vosso reino, nada...” diz ela, citando uma frase pouco conhecida, mas que explica a atitude daqueles que adoram ser “procurados” mas importam-se bem pouco em saber como anda seu próximo. A reunião dos filhos, dos netos e bisnetos foi realizada na sede De uma Associação, ao meio-dia de um sábado, isso porque o dia 19 de setembro, era meio de semana e vovó é taxativa em dizer que “não gosta de incomodar quem trabalha”.
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