Texto: Dívidas, Relações e Poder
(Rafael Pires)
DÍVIDAS, RELAÇÕES, PODER
A tarefa do antropólogo social no campo não é só observar os pormenores do comportamento habitual, mas analisar como é que este comportamento serve para exprimir relações.
Na linguagem da antropologia social dificilmente se faz a distinção entre o termo pessoa e o termo indivíduo. A maior parte das atividades do indivíduo deriva dos deveres e obrigações recíprocas que lhe são atribuídas em virtude dos papéis que desempenham como pessoa social. A definição da rede das relações pessoa a pessoa refere-se ao conjunto de direitos e deveres que têm expressão em padrões mais ou menos previsíveis de comportamento.
Todas as relações pessoa a pessoa implicam reciprocidade, e sendo assim, este comportamento interativo, pode ter muitas formas; em alguns casos, essa reciprocidade dá-se ao mesmo nível, mas a maioria das trocas entre as pessoas não é deste tipo, pois a maioria das pessoas abrangidas numa rede de relacionamento é quase sempre de extratos sociais diferentes. Não conseguir o princípio geral que está por trás de fatos tão simples e comuns como estes, levaram muitas vezes os antropólogos a escreverem uma grande quantidade de disparates, como o campo das relações do parentesco.
Sempre que o pagamento da dádiva retribuída é adiado, a relação entre credor e o devedor prolonga-se no tempo. Mas isso só acontece se a dívida continua a ser lembrada com uma obrigação não exigida por ambas as partes da relação. Isso acontece muito nas relações domésticas e dentro do ambiente familiar. As relações duradouras só existem como sentimentos de dívida. De vez em quando, todas estas relações duradouras de dívidas precisam de se manifestar com a transação de uma dádiva, mas a relação está no sentido da dívida e não da dádiva.
Os relacionamentos dentro de uma sociedade consistem em reconhecer que os indivíduos que desempenham determinados papéis sociais têm direitos e deveres em relação a indivíduos que desempenham outros papéis sociais.
As estruturas das relações sociais são, não só estruturas de dívidas, mas também estruturas de poder. O antropólogo social, preocupa-se principalmente com o poder como aspecto da relação entre duas pessoas sociais numa hierarquia; mas para nós, o conceito de poder tem uma conotação física e também metafísica; se uma relação “pessoa a pessoa” está carregada de grande energia do dominador para o dominado, a ligação entre as duas partes poderá rebentar com violência.
Todas as relações sociais implicam um estado de endividamento, assim como todos os estados de endividamento implicam uma relação social.
Uma das características que distinguem a sociedade industrial moderna da pré-industrial é que na primeira há uma larga circulação de dinheiro, onde dinheiro significa um instrumento geral de troca e unidade de conta, que tanto serve para recompensar serviços prestados como funciona como meio de adquirir mercadorias. Por contraste, nas sociedades pré-industriais há uma grande variedade de meios e troca que circulam em esferas sociais diferentes, mas que não são permutáveis de forma direta.
É fácil de ver que quanto maior for o intervalo entre o pagamento dos salários, maior será o período durante o qual a firma está em dívida para com o seu empregado, e conseqüentemente, maior será a garantia de que o empregado não se vai embora. Trata-se da ligação geral entre endividamento e relacionamento.
Nas sociedades pré-industriais, acontece frequentemente que o indivíduo trata todos os estranhos como se fossem de alguma forma parentes. Em tais sistemas, o trabalho remunerado por salários em dinheiro tem menos valor do que o trabalho recompensado diretamente com trabalho recíproco em espécie ou com pagamento, muitas vezes depois de uma demora considerável, por meio de dádivas não monetárias, ou por meio de hospitalidade e oferta de alimentação.
No nosso sistema moderno ocidental, a oposição entre interno/externo, nós/eles, corresponde grosseiramente à distinção entre modos de referência do parentesco e do não parentesco. Nos sistemas mais elementares, parentesco, de uma maneira geral, engloba tudo, mas há também uma discriminação entre os que estão dentro e os que estão fora, entre “nós” e “eles”.
Os parentes por afinidade só permanecem amigos enquanto estiverem ligados pelas afinidades: estão unidos mais por aliança política do que por sangue comum e, se as partes referidas quiserem manter essa aliança, devem reafirmar repetidamente essa aliança, fazendo as trocas apropriadas de valores duradouros de tipo visível e identificável.
Marx argumenta que o pagamento de salários no sistema capitalista tem o efeito de alienar o trabalhador dos produtos do seu trabalho, e reduz ambos ao estudo de mercadorias no mercado local.
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