O COLONIALISMO IBERICO E A QUESTÃO INDIGENA
(José Carlos Mariátegui)
Pode se considerar a Conquista como uma atroz carnificina. Devido ao seu número reduzido, os conquistadores espanhóis impõem o domínio aterrorizando a população indígena, na qual produzem, com armas e cavalos, uma impressão supersticiosa; sendo o invasor admirado como ser sobrenatural.
A Organização econômica e política da Colônia, que se segue à Conquista, não interrompem o extermínio da raça indígena. O Vice-Reinado impôs um regime brutal de exploração. A cobiça aos metais preciosos orienta a atividade econômica espanhola na direção da exploração das minas que, sob o domínio dos incas, é explorada em modesta escala, uma vez que o ouro e a prata serviam apenas para utilização ornamental e ignorava os índios, que compunham um povo essencialmente agrícola, o emprego do ferro. Os espanhóis impõem para a exploração das minas e “mutirões”, um sistema opressivo de trabalhos forçados e gratuitos que dizimou a população aborígine.
Não faltaram vozes humanas e civilizatórias que, perante o Rei da Espanha, lutaram pela defesa dos índios. As Leis das índias inspiram-se nas resoluções de proteção aos índios, reconhecendo sua própria organização em “comunidades”. Mas, na prática, os índios continuam à mercê de um feudalismo impiedoso que destroem a sociedade e economia incaica, sem, contudo substituí-las por um ordenamento capaz de organizar a produção.
O Vice-Reinado resolve este problema através do tráfico de escravos negros, povo que se adaptou ao clima e às fadigas dos vales ou das planícies quentes da costa, e, ao contrario, inadequado para o trabalho das Minas, situadas na fria Serra.
O escravo negro reforça o domínio espanhol que, apesar do extermínio indígena, sentira-se de outro modo demograficamente debilitado frente ao índio, se bem que submisso hostil e inimigo. O negro foi utilizado nos serviços domésticos e trabalhos manuais. O branco mesclou-se rapidamente com o negro dando, esta mestiçagem, num dos tipos de população da costa, com caracteres de maior adesão ao espanhol e grande resistência ao indígena.
A Revolução pela Independência não se constitui num movimento indígena. Foi promovida e desfrutada pelos crioulos e espanhóis das colônias, tirando assim o apoio da massa indígena.
O Programa liberal da Revolução com suas leis e decretos favoráveis aos índios não consegue seu intento pela ausência de governantes capazes de aplicá-las. A aristocracia latifundiária da Colônia, dona do poder conserva intactos seus direitos feudais sobre a terra e, por via de conseqüência, sobre o índio. Nada pode ser feito contra o feudalismo reinante,
Na República, frei Bartolomeu de Lãs Casas surge com uma grande voz cristã contra a inquisição e na defesa dos métodos brutais dos colonizadores.
O Vice-Reinado é um regime medieval e estrangeiro. A República é. Formalmente, um regime peruano e liberal que deveria elevar a condição do índio. Contrariando este dever, empobreceu o índio, agravando seu abatimento e aumentando sua miséria. Ascende como uma nova classe dominante que, sistematicamente, se apropria das terras.
A terra representa a felicidade do índio. Ele mescla-se a terra. Sente que a vida provém da terra e volta a ela. O feudalismo crioulo comportou-se, sob este aspecto, com mais cobiça e aspereza que o feudalismo espanhol. E encomendeiro crioulo possui todos os defeitos do plebeu e nenhuma virtude do fidalgo. Em resumo, a servidão do índio não muda sob o Regime da Republica.
Nas minas prevalece o trabalho assalariado. Um trabalho ínfimo. A proteção da vida do operário quase nula, a lei de acidentes do trabalho fraudada. O sistema de “recrutamento”, que através de antecipos mentiors escraviza o operário, coloca os índios à mercê destas empresas capitalistas. A miséria a que os condena o feudalismo agrário é tamanha, que os índios preferem, apesar de tudo, o destino que lhes oferecem as minas.
No Peru, a propagação das idéias socialistas trouxe como conseqüência um forte movimento a favor das reivindicações indígenas. Este movimento manifesta-se, também, na arte e na literatura nacionais, notando-se nestas uma crescente reavalização de formas e assuntos aborígines, outrora desprezados pelo predomínio de um espírito e mentalidade coloniais espanhóis.
Cresce o intercâmbio entre os diversos núcleos indígenas, outrora isolados pela enorme distância. A reunião periódica de congressos indígenas, patrocinada pelo Governo, deu início a esta vinculação, mas como o caráter de suas reivindicações tornou-se rapidamente revolucionário, foi desvirtuada pelo afastamento dos elementos avançados e pelo grande número de representações apócrifas.
O Governo vê-se obrigado a aceitar e proclamar pontos de vista indigenistas, tomando medidas que por não atender ao interesse do gomonalismo, torna-se eficaz.
A Associação Pró-Indígena não chegou na sua época, a se transformar num movimento. A experiência só serve para contrastar e medir a insensibilidade moral de uma geração e de uma época
O problema do analfabetismo do índio acaba sendo no final, um problema muito maior, que desborda do restrito marco de um plano meramente pedagógico. Comprova-se cada dia mais que alfabetizar, não é educar. A escola elementar não redime moral e socialmente ao índio.
Rose de Castro
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