Um, nenhum e cem mil
(Luigi Pirandello)
Siciliano, Luigi Pirandello, em seu modo natural de escrita não precisa de definição. Sua obra fala por si só. Como podemos presenciar em seu roman­ce Um, nenhum e cem milo autor sustenta que uma obra de arte não pode ser intencio­nal, uma vez que vivemos cegamente, ao invés daquilo em que acreditamos: estar de olhos abertos. Diz:
"É preciso compreender em minha obra, que eu não sou um autor de farsas, sou um autor de tragédias".
O autor de tragédias apresenta um aspecto trágico na vida de suas personagens que se encontra justamente em relação à questão de que o homem está submetido à lei — aspecto moral que marca sua obra — assim esse aspecto obriga-o a ser um. Podemos ser um, nenhum, cem mil. A escolha se torna, no entanto pessoal, Totalmente Imperativo para a nossa existência e ordem existencial em que o ser escolhe escolher. O autor Pirandello, afirma: “o homem aprende a ver-se vivendo”. Para Paula Mantovani, 2007, p.61:
“Tal formulação de pensamen­to dá contorno ao protagonista de sua obra, Vitangelo Moscarda. Nessa tortuosa génese, seu estilo dramático conduz de forma genial à descoberta repentina de Moscarda de que seu nariz caía para a direita. O espanto e o abatimento não abrem concessão e Moscarda acaba penetrando nos abismos de reflexões que dilacera desde o seu espírito até certo encontro fantasioso com a loucura, num misto de incredulidade e deboche. Percebe que sempre se considerou um Moscarda de nariz reto. Fixa em seu pensamento o fato de que não era para o outro aquilo que imaginava ser. Passa a buscar um novo reconhecimento de si, em um desejo constante de estar só. Estar só sem ele mesmo, com um es­tranho por perto, sem voz e sem feição, onde o estranho somos nós mesmos. Estranho este que não podemos afastar; inseparável. Assim como seu nariz, algo inseparável de seu corpo. Se náo era mais o que até então pensava ser para os outros, restava apenas uma pergunta a Moscarda: quem ele era? Nesse abismo de indagações, des­cobre que há cem mil Moscardas num corpo que era apenas um e, ao mesmo tempo, nenhum. Como suportar em si tal descoberta? Como carregar esses estranhos invisíveis e inseparáveis? Evi­dências que alimentavam um propósito: o de ser um entre outros, uma vez que reconhece um minuto insano em que não só podemos ser um, como cem outros mil e nenhum”.
Tudo na vida é transitório, tudo passa, ou assume feições de acordo com as nossas necessidades. Quais necessidades? Necessidades crédulas? Incredulas? Quais sentimentos transformam o homem? Ah!Essas ilusões, enganos e desenganos, amores e desamores, tranformando as dores em esperanças e desejos na loucura humana, existe sim a transitóriedade das coisas, o impassível e a passividade humana: a necessidade dos contrastes para se atingir o equilíbrio, como o meditar no silêncio. Para Paula Montavani comentando Pirandello, 2007, p.61:
“Necessidade esta que se constrói num ponto de captação: o sentido que atribuímos às nossas experiências é um e o que esta significa para o outro é uma outra coisa, articula-se com o va­lor que assume a palavra para cada um na sua singularidade. Uma vez que se fosse diferente disso seria o mesmo que sermos como papéis vegetais sobrepos­tos a uma mesma imagem. Moscarda faz incessantemente o movimento de construir-se de uma for­ma que lhe parecesse particular e iden­tificável, umavez que inclui a insígnia de que a história da nossa família está em nós; levamos no corpo a sua marca, hábitos, atos e pensamentos não refleti-dos, mas que seguramente se dão a ver e produzem efeitos. Tal constatação o leva a deduzir que vivera como um cego diante das condições em que fora posto no mundo. Passa, então, a escolher pa­gar um preço por suas afetações, dando início a sua grande viagem”. Quantas vezes desenvoplvemos ações repudiadas por todos, mas para nós representava o que acreditamos, naquele momento de acordo com os atos conhecidos por nós? A explicação esvai-se e fica singularidade humana abasndonada como uma célula perdida, a experenciar unitariamente sem partilhar com a moralidade do todo ou das experiências completas. Aprendendo com as possibi­lidades de sermos um entre tantos buscando aprender para ter nossa participação no mundo – na troca das experiências aprendendo com o todo. Para Paula Montalvani, 2007.p.61:
“Aposta é difícil, mas possível. Lacan dizia que o conhecimento é de estrutura paranóica. Por meio dos movimentos de Moscarda, se faz assimilável e de simples constatação a descoberta lacaniana. Mas tal descober­ta não se ajusta e se faz em um instante em que é preciso estar lá e aqui e mais ainda: dizermos ao que viemos. Há distâncias que são infinitas, perdem a data e nos desinquietam. Espasmos que esbarram em um ponto vital, no qual simplesmente ficamos nus. E quanto a você, meu caro, que respira em profundo alívio, sentindo-se abrigado, saiba: o hilário é que também em algum ponto de sua existência, fica­rá nu. Talvez esse seja o horror que se re­velou a Moscarda, uma remota solidão. Mas não é porque se está só que não se pode permitir acompanhar, o que é di­ferente de estar isolado. Lacan escreveu a seguinte frase: "só é louco quem pode, não é louco quem quer"”.
PIRANDELLO, Luigi. Um, nenhum e cem mil Editora Cosac Naify.
MONTAVANI, Paula. Um entre outros – Literatura no divâ – p.60 a 61. Revista PSIQUE, CIÊNCIA E VIDA, ANO II, Nº18. EDITORA ESCALA.
Resumos Relacionados
- O Que é O Existencialismo
- Almas Gêmeas-almas Irmãs
- A Experiência Interior
- Artigo
- Por Que Nascemos Com Consciência? - Bem Vindo Ao Mundo De Matrix
|
|