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TÉDIO O MAL
(TATI BERNARDI)

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O que fazer em caso de tédio?

Minha vida tá chata. Pra cacete. Ou melhor: sem cacete.

Eu passo mais de doze horas no trabalho, mais de duas horas na
academia, mais de seis horas pra pegar no sono e não sobra nada para
acalmar as súplicas dos meus hormônios por uma vida menos meia boca. Eu
sigo à risca a dieta da nutricionista para ganhar músculos, os
exercícios do personal (sim, eu escrevi isso só para falar que faço
personal) para perder a largura da bunda e o balanço desnecessário do
músculo do tchau. Eu cumpro prazos, eu cumpro horários, eu cumpro
regras de sobrevivência para não mandar à merda as pessoas chatas do
meu trabalho e perder o emprego. Eu cumpro regras de educação para não
dizer todas as merdas que me vêm à cabeça quando sou obrigada a aturar
pessoas burras, e, por falar em merda: até meu intestino tem funcionado
com hora certa.
Puta vida chata! Minha vida tá um Nutry de banana, sabe? Uma
esteira no condomínio do prédio? Um homem que te leva para jantar no La
Buca Romana e escuta CD de novela? Minha vida tá meia boca pra cacete.
Você também precisa de um motivo para levantar da cama de manhã? Não
que eu seja depressiva e tenha dificuldades de levantar da cama, não é
isso. Tô falando de LEVANTAR da cama, dar aquele pulo de "bora lá para
mais um dia fantástico!". Você também precisa de um? Pois é, eu dedico
dez minutos da minha manhã procurando um e o único que vem a minha
cabeça é "levanta logo porque, se a vida tá chata, perder o emprego só
vai piorar".
Antes era tão fácil, quando eu tinha meus 18, 19, 20 anos. Eu
levantava da cama porque tinha uma festa na São Francisco cheia de
homens pseudopolitizados-sustentados pelo pai com camisetas do Che
Guevara. Eu levantava porque tinha cervejada no Mackenzie com todos os
meus amigos deslumbrados pela vida que prometia tantas coisas. Eu
levantava porque o gatinho da balada (que não sabia nem falar e estava
fumado) tinha prometido ligar. Eu levantava porque era estagiária da
W/Brasil e propaganda me dava um puta tesão, publicitários me davam um
puta tesão e o sonho de ser contratada numa agência grande era quase um
orgasmo.
Hoje acho festas de faculdade e garotos de balada um porre (até
porque não tenho mais idade nem ouvido pra isso) e meu tesão pela
propaganda e pelos publicitários brochou sem esperanças de Viagra.
Publicitários em geral são chatos, inseguros, metidos,
freqüentam sempre os mesmos lugares, falam sempre as mesmas coisas e
acham que a barriga e a careca não importam já que eles têm uma conta
cheia no banco, mas na verdade são brochas de tanto trabalhar.
Propaganda é só mais uma profissão com tudo o que uma profissão tem de
chata (com o agravante de ter criativos que se acham artistas porque no
Brasil o cinema ainda é fraco e atendimentos que se sentem tão bostas
que soltam frases em inglês para virar o mister MBA). E que fique claro
que não estou generalizando, por favor.
Enfim, me perdi no meu veneno, voltando ao assunto: minha vida
tá chata, pra cacete. Eu conheço homens aqui e ali, mas nenhum me
emociona, os que me emocionam se mostram loosers semanas depois (olha
eu brincando de MBA igual a meus amigos atendimentos). Minhas amigas em
geral continuam arrastando seus namoros sem emoção e as que juram viver
uma vida de emoção vivem bêbadas. E que fique claro que não estou
generalizando, por favor. Meus heróis morreram de overdose: overdose de
trabalho, overdose de família, overdose de vida adulta, overdose de ir
empurrando com a barriga. Tenho me emocionado com crianças e
cachorrinhos, que são em essência o que são e tudo se resume a algo
muito bonito e simples. De resto, baaaaaahhhhhhh, onde está a diversão?

Olha, eu tenho procurado por ela. Ela não está na Faria Lima ou
na Vila Olímpa com suas garotinhas e garotinhos em série: uma edição
sem cérebro. Ela não está na Vila Madalena ainda que eu não tenha
desistido de ser despretenciosamente feliz num barzinho despretencioso.
Ela não está nos três filmes que assisto por semana para fugir da minha
realidade. Ela definitivamente não está em ex-casos, ex-namorados e
ex-paqueras. Às vezes eu acho que ela está na Fnac, na praia ou numa
trepadinha sem maiores danos. Mas aí ela escapa como areia das minha
mãos assim que eu enjôo do CD, do calor, da falta de amor ou acabo um
livro. A felicidade é fugaz, pequena demais para meu vício e meu
exagero. Ela não está no meu carro novo, nas minhas roupas novas, no
meu novo emprego, no meu salário. E se você vier com aquele papo de que
está em mim eu vou te dizer que chupar o título do Freud não vale. Ter
alguma consciência, alguma idade e alguma experiência me tornaram
exigente. E eu que gostava da diversão em diversidade fiquei com
pouquíssimas opções. Fiquei chata. Enfim, sei lá. Vai ver essa coisa de
diversão e felicidade é uma eterna busca mesmo. E vai ver que é por
isso que a gente continua levantando da cama.
Escrito por Tati Bernardi (www.tatibernardi.com.br)



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