Memórias de um genio
(Joaquim Pavão)
Traquejo
é o que possuo. É um inútil quem to diz. Mas ele? Nem pena já usa;
botão branco ainda sujo. Corre num funil, a mula de duas palas. Acaba o
que faz e fuma um cigarro. Consumação frustrada. A cada baforada sente
o enjoo. Quer mais. Sentia-lo querendo mais. Como Enxofre que se agarra
ao casaco, afastava-lo aos poucos, mas a gravidade devolve-me restos.
–“O cão gordo da vizinha ia te adorar”.Traquejo
meu velho, traquejo do duro. Sinto-te angustiado. Não estavas à espera?
Ajudaste-me e compensei-te. Do que tens no bolso não levo uma migalha.
Os vermes limparão os ossos mas não gastarão nada, meu Iscariotes.
Fundo, bem fundo. Quero-te mais fundo ainda. Quero que respires a cada
milímetro que desças. Não te preocupes. Eu tapo-te bem. Uso a tua
terra. Como estrume por cima da terra, o teu cheiro inunda-me sempre
que o vento muda. –“As sementes suspirarão por ti”.-“Boas
tardes. Como vai o meu editor do peito? Como sempre te digo, consegui.
Mais um. Sinto que este vai ser muito melhor. Mais um ponto de viragem
na minha escrita (…) ”Tiro
a capa e coloco outra. Assino em voz alta –“Apurando o génio por (…) ”.
Preciso de um cigarro. Oiço tocar na porta. Pelo bater é mais um.
Conheço o som da ambição, da ilusão. –“Entra (…) ”. A baforada some-se
e quase sinto que os joelhos deste vão bater no chão. –“Ensinar-te,
pedes-me tu”.Traquejo,
é o que é preciso para escrever. Aprender comigo? Aqui tens uma resma,
mais outra quando acabares essa, logo a seguir outra. –“Traquejo, meu
velho…”Joaquim Pavão
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