A Lenda dos Cysnes
(António Feijó (Sol Inverno))
Da praia longínqua, na areia doirada, O Cysne pensava, fitando a Alvorada: — «Que imensa ventura, na minha mudez, Se dado me fosse cantar uma vez!» — «Meu canto seria, na luz do arrebol, Dos hinos mais altos á gloria do Sol...» Não é das gaivotas e gansos do lago O canto que em sonhos ardentes afago; É quando nos bosques as aves escuto Que a inveja confrange minh''alma de luto. Se a Aurora se lança do cume dos montes, Até d''alegria murmuram as fontes; Só eu, passeando o meu tédio supremo, Nem rio, nem choro, nem canto, nem gemo. Oh Sol, que já vejo surgindo do Mar, Tem dó de quem, mudo, não pode cantar!»-- E o Cysne, em silencio, chorava, escutando A orquestra das aves que passam em bando. Das águas rompia a quadriga d''Apollo, E o pobre a cabeça escondia no colo... Mas Phebo detém-se nas nuvens ao vê-lo, Com feixes de raios no fulvo cabelo, E diz-lhe, sorrindo, n''um halo de fogo: — «No Olympo sagrado ouviu-se o teu rogo...»-- E nesse momento a Lyra Sem Par, Da mão luminosa deixou resvalar... O Cysne, orgulhoso da graça divina, Da Lyra d''Apollo as cordas afina, E rompe cantando... Calaram-se as fontes, Calaram-se as aves... As urzes dos montes Tremiam de gozo a ouvi-lo cantar... E o vento sonhava na espuma do Mar. O Cysne cantava, tirando da Lyra Um hino que nunca na terra se ouvira; Não pára, nem sente, na sua emoção, Que a vida lhe foge naquela canção. Mas quando, entre nuvens, a tarde caia No enlevo do canto que a essa hora gemia, E Apollo no seio de Thetis desceu, O pobre do Cysne, cantando, morreu... Gemeram as aves; choraram as fontes; Torceu-se nas hastes a giesta dos montes, E o mar soluçava na tarde sombria, Que o manto de luto com astros tecia. Solícita espera-o, das águas á beira, Do Cysne, já morto, fiel companheira; Espera que o Esposo de pronto regresse, Mas treme e suspira, que a Noite já desce... As aguas luzentes parecem-lhe, ao vê-las, Um pano d''enterro picado d''estrelas. Então, no seu luto, sentindo que morre, Oceanos e praias distantes percorre; Mergulha nas aguas, coleira nas ondas, Espreita as galeras de velas redondas, Que ao longe parece que vão a voar... E o Cysne não volta, não pode voltar! Chorosa viúva, nas aguas desliza, Levada na fresca brisa... No seu abandono nem sente canseira; Caminha, caminha, fiel companheira, Chorando o perdido, desfeito casal... Tão funda era a mágoa, tão grande o seu mal, Que o peito sentindo de dor estalar, — De dor e d''angustia começa a cantar! E canta com tanta ternura e paixão, Que a Vida lhe foge naquela canção. As aves despertam; calaram-se as fontes; Nas hastes tremiam as urzes dos montes; A Lua escutava; detinha-se a Aurora, E as vagas gemiam no vento que chora... Na terra, no espaço, nos astros, no céu, Mais alta harmonia ninguém concebeu; E os Deuses recebem, ouvindo-a, a chorar, A alma do Cysne que expira a cantar... Desde esse momento, no Olympo onde entraram, Em honra dos Cysnes que tanto se amaram, Das almas que foram leais e sinceras, Se Vénus se mostra, surgindo da bruma, São eles que tiram, nas altas esferas, A concha de nácar, cercada de espuma...
Resumos Relacionados
- O Cisne Canta Antes De Morrer - Fábulas
- Meus Pensametos
- Deus Anuncia O Dilúvio A Noé
- O Amor E O Tempo
- Sôroco, Sua Mãe, Sua Filha (conto)
|
|