Amor, Laços de Família
(Clarice Lispector)
Condensação do conto ‘Amor, Laços de Família’ , Clarice Lispector.Pouco cansada e meio satisfeita de instantes cada vez mais completos. Vendo árvores crescendo de suas poucas sementes. Crescia seu cotidiano por sua mão, sua corrente vital.Na calmaria da tarde cessava tudo de crescer. E riam dela, de sua desordem íntima com aparência harmoniosa.Seu destino de mulher lhe vestia bem. Homem e filhos verdadeiros. A juventude parecia-lhe remota e fora de alcance. Escolhera para si uma vida de adulto.O perigo aparecia certa hora, com a casa vazia e os móveis brilhando. Então o abafava e saía às compras, voltando a tempo de atender o retorno da família. A noite seria tranqüila e pela manhã encontraria os móveis arrependidos e empoeirados. Era um mundo bom e seu; nele ingressara por opção.Cansada e satisfeita, com as compras no colo, recostou-se no banco do bonde que vacilava pelos trilhos. Arrastava-se e parava. Pensou descansar; mas no ponto, notou o cego com as mãos estendidas. Intranqüila, reparou que mascava na escuridão com olhos abertos. O movimento do maxilar o fazia parecer sorrir e ora deixar de sorrir. Parecia insultá-la sob seu olhar de ódio. Distraída não notou a partida brusca e as compras lhe escaparam do colo indo ao chão. Gritou e o bonde estacou sob olhares assustados. O jornaleiro ajudou-a com os embrulhos enquanto ela atônita e pálida aprumava-se. O cego parara de mastigar inseguro sem pegar o acontecido.O bonde em balanço; o cego para trás; o mal consumado. Era o recomeço do mundo. O bonde, a bolsa de tricô, as compras perderam o sentido como um fio partido e assumiram ar hostil. Os anos de ordem ruíam e o mal-estar do passado parecia retornar. Com ele a crise, o calor abafado, a poeira no ar, gente com rosto, namorados sorrindo e bondade dolorosa.A vida apaziguada, serena e compreendida explodira cheia de náusea doce em um mundo de crueza tranqüila e fascinante.Em casa deixou-se cair em uma cadeira. De que tinha vergonha? Seu coração transbordava da menos boa vontade de viver. Ao deitar soprou a minúscula flama do dia e descansou.
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