Testemunha de Mim
(Eduardo Guima)
Setembro, 1989 É uma daquelas tardes de Outono. Um Outono pesado de uma melancolia que parece condensar-se nas nuvens que carregam o céu e impregnam a atmosfera de uma matéria que não cabe ser descrita neste mundo. Há no ar um grito de infinito, nada é tão só o que é visto, tudo é mais alguma coisa, que nos invade, que se faz parte de nós, das nossas memórias, do nosso esquecimento, de tudo o que somos. Assim, as nuvens parecem comportar tudo isto, por isso o ar nos parece, numa tarde como esta, tão pesado. Sempre as senti de forma particularmente dolorosa, estas tardes de Outono. Mas não hoje. Hoje estou feliz, leve, em paz. Caminhamos sem pressa, pelo passeio. Chove. Chove muito e está frio. Estou abraçada a ti, em parte para me abrigar, mais para te sentir. Não me sinto com a juventude de hoje, embora me sinta bem, carrego uma maturidade que indicia estar algures entre os trinta e os trinta e cinco. Apesar da pressão que faço junto ao teu corpo, os teus passos são firmes, inequívocos, como se eu fosse uma extensão do ti. Seguras o guarda-chuva com a mão direita e contornas os meus ombros com o braço esquerdo. Vestes um impecável fato escuro e caminhas com o olhar fixo, erguido no horizonte, porém tão consciente de mim. És tão mais forte do que eu, tão mais alto, tão mais seguro de tudo, de nós. O meu rosto cola no teu peito, sinto a tua respiração. E é isto: Amor. Sinto-o trespassar-me e irradiar de mim para o exterior, porque é tanto que não consigo abarcá-lo na totalidade. Deixo-o fluir. Sei que não me vai fazer falta. Subjaz a este sentimento esta necessidade de partilha. Acabou o passeio, abrandas ligeiramente o passo, olhas para os lados, não vem nenhum carro, atravessamos a rua. Eu deixo-me conduzir, sem olhar, pois sei que os teus olhos são os meus.
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