Coracao Restaurado
(Ricardo Zorzetto)
Alvo de severas críticas e discussões acaloradas recentes, um tipo especial de célula volta à cena. Desta vez, com boas notícias. São as células-tronco, intensamente estudadas nos últimos cinco anos por causa de sua fascinante peculiaridade: ao se multiplicarem, originam células de diferentes tecidos do corpo, tão distintas como as da pele, dos músculos ou do sistema nervoso. No Brasil, surgem os resultados do trabalho de pelo menos três grupos de pesquisa que, em paralelo com equipes européias e norte-americanas, consolidam as células-tronco como uma opção para - se não curar - ao menos melhorar a qualidade de vida de pessoas com graves problemas no coração, contra os quais os medicamentos não produzem mais os efeitos desejados.
Com técnicas distintas, pesquisadores do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo concluíram: o transplante de células-tronco é uma alternativa promissora contra a insuficiência cardíaca crônica provocada por hipertensão, obstrução das artérias coronárias e mal de Chagas. Problema em que o coração perde progressivamente a capacidade de bombear o sangue, a insuficiência cardíaca atinge de 3% a 6% da população mundial e, no Brasil, entre 5 milhões e 10 milhões de pessoas. A equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Hospital Pró-Cardíaco, que exibe os dados mais avançados, obteve recentemente um trunfo internacional pelos resultados a que chegou após dois anos de trabalho, um tempo curto em se tratando de uma área nova em todo o mundo. Em 13 de maio, a Circulation, a mais importante revista científica em cardiologia clínica, publicou um artigo científico no qual os pesquisadores do Rio descrevem os primeiros transplantes de células-tronco em portadores de insuficiência cardíaca crônica. Dos 14 tratados, 12 passam bem e dois morreram, aparentemente por causas não ligadas às aplicações de células-tronco, segundo os médicos. "O projeto só andou rápido porque já existia na UFRJ um modelo de transplante em ratos quando iniciamos o trabalho", reconhece o cardiologista Hans Dohmann, do Pró-Cardíaco. "A impressão é que as células-tronco substituem o tecido fibroso por células musculares", comenta Antonio Carlos Campos de Carvalho, da UFRJ, que integra o Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, apoiado pelo governo federal. Esse tratamento aumenta a irrigação da parte lesada do coração, permitindo que as células que entraram numa espécie de hibernação voltem a se contrair. Ao mesmo tempo, um grupo do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) aplicou essas células em nove portadores de insuficiência cardíaca causada por hipertensão, doença de Chagas ou de origem desconhecida. Foram duas técnicas distintas: aplicações ou de células-tronco filtradas do sangue do próprio paciente ou apenas de um hormônio que estimula a liberação de células-tronco da medula dos ossos para o sangue. Quatro meses depois, três saíram da fila de transplante cardíaco, cinco melhoraram bastante e um morreu, algo atribuído à gravidade do estado de saúde em que se encontravam antes de entrar no experimento. "Em vista do número ainda restrito de pacientes, é cedo para assegurar a eficiência dessas técnicas", comenta o cardiologista Edimar Bocchi, da USP, um dos coordenadores da pesquisa. "Mas os resultados apontam uma perspectiva de melhora para essas pessoas, que têm uma doença extremamente grave." Em termos práticos, as equipes do Rio e de São Paulo mantiveram batendo - com boa parte do antigo vigor - o coração de homens e mulheres que não conseguiam mais caminhar pela manhã até a padaria nem se alimentavam mais sozinhos, tamanho o cansaço decorrente da insuficiência cardíaca. Antes do tratamento com células-tronco, a única saída para eles era esperar durante meses por um transplante cardíaco. Se resistissem, enfrentariam uma cirurgia que começa com um corte de 30 centímetros no tórax, termina nove horas mais tarde, exige um mês de recuperação e, no total, sai por cerca de R$ 200 mil. O implante de células-tronco é bem mais simples. Realizado por meio da introdução de um cateter numa artéria que vai da coxa ao coração, dura pouco mais de uma hora, exige apenas dois dias de permanência no hospital e custa dez vezes menos. Tamanha é a confiança hoje depositada no uso de células-tronco que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão do Ministério da Saúde que autoriza as pesquisas médicas com seres humanos, aprovou em março a proposta apresentada um ano antes pelo médico Ricardo Ribeiro dos Santos, coordenador do Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Salvador, Bahia. Santos pretende começar, ainda este mês, em parceria com cardiologistas do Hospital Santa Izabel, também na capital baiana, um estudo com cinco portadores de insuficiência cardíaca causada pelo mal de Chagas, doença provocada pelo protozoário Trypanosoma cruzi , parasita que se aloja nas células do coração. Numa pesquisa recente, Santos demonstrou que o emprego desse tipo de célula reduziu de modo duradouro as áreas inflamadas e danificadas do coração de camundongos com Chagas. Pode ser essa uma forma de manter o coração saudável o suficiente para que, aí sim, se possa combater o parasita, causador de uma doença que infecta 16 milhões de pessoas na América Latina, dos quais 6 milhões no Brasil.
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Introdução
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Apenas no começo
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Reforço celular
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Contra Chagas
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