Bandoleiros 
(João Gilberto Noll)
  
A menina, aluna de Ada, que se sentara sem calcinha  à sua frente no dia em que ele apresentara-se de operário para uma de suas  aulas de sociologia. Onde andaria a danadinha, pensava. Bêbado, joga a chave do  apartamento num bueiro. Novamente se vê no passado, deitado no degrau de um  prédio público. Avista o negro cego tocando sax e chama-o. Conhecera-o há anos.  Era músico. O cego sofria de fome. Mas preferia assim, viver sem calendário. Foram  para o bar tomar café. Depois para a rua, à deriva, enquanto o vento soprava  forte. De volta ao apartamento, recebe um telefonema que mal consegue entender,  apenas que é de um estrangeiro. Pega o ônibus para Viamão. No fim da linha uma  igreja, uma galinha, uma menina vendendo caramelos. No lugarejo olhares  esquivos dos habitantes. Sobe o morro bêbado; o ar puro revitaliza-o. Está indo  para o Vale que fica depois do morro. Lá do alto avista uma casinha de madeira  sozinha no meio da vegetação árida lá embaixo. Ao chegar à casa bastante  abandonada e sentindo muita sede, chama por alguém. Aparece um homem com  sotaque estrangeiro que lhe diz não ter água em casa, só cachaça. Era louro,  vestia uma calça branca arregaçada e tinha uma tatuagem no peito e um olho  tatuado. Beberam duas garrafas de cachaça na casa escura, iluminada apenas por  um lampião. O americano chaava-se Steve e discorria sobre sua vida, sobre o  tempo do colégio, deixando seu visitante completamente entediado. Este,  perguntado-se se alguém neste mundo ainda poderia lhe interessar. Steve  conta-lhe que estudou em Harvad e que durante anos foi dopado por um  psiquiatra. Abandonou Harvard. Internou-se numa clínica e adquiriu uma grave  amnésia. Recebera tantos choques insulínicos que nunca mais recuperara de todo  a memória. Estava ali a falar o quanto a clínica o havia aniquilado. A vida  tornara-se-lhe vil. Steve prossegue sua história. A vida que tivera em Boston. Fora casado  com Jill antes de decidir mudar-se para o Brasil. Reencontrara o amigo Baby  Buffalo, que desde os treze anos não via. Baby Buffalo contou-lhe que aos vinte  anos estuprara uma mulher em Vermont, passara um tempo na prisão, e estava  tentando refazer a vida em   Boston. A partir daí voltaram à velha amizade até Baby  Buffalo ser preso novamente. Nosso protagonista começa então a falar sobre a  experiência que teve no mesmo parque de Boston em que Steve reencontrou  Baby Buffalo. Conta-lhe que pisou num corpo de mulher desenhado a giz no chão. Ao  pé do corpo estava escrito que havia sido estuprada. Steve torna-se possesso.  Quer matá-lo, inicia-se uma briga que os levará à extrema violência. Steve  acaba extenuado e todo ensanguentado, mas resiste ainda. Nosso protagonista  também tendo sido muito golpeado, ameaça-o com uma pedra, e acaba conseguindo  escapar. Steve fica caído no morro, ao relento. Na estada em Boston, Ada esteve  lendo um livro pelo qual apaixonou-se, chamado Minimal Society. Tratava de uma  sociedade autosuficiente na qual tudo de que se necessitasse seria produzido,  abolindo a introdução do comércio exterior. Nesta sociedade autogerida, o  sentido de nacionalidade não existia, pois o importante seria ser um cidadão  minimalista. Ali se desenvolveria também a crença na reencarnação. E assim cada    vez que se morresse, o espírito voltaria para uma sociedade minimalista mais  evoluída, já redimido dos erros passados. Por esta época, o protagonista e Ada  já andavam entendiados um com o outro. Ada fazia quindins para viver. Ada  mantinha uma relação estranha com Alícia, a mexicana com quem dividia o  apartamento. Ia além da amizade. Uma espécie de dependência por parte de Ada e  paixão por parte de Alícia. Quanto à sociedade minimalista de Ada, em que todos  seriam livres, tudo seria permitido: banhos grupais, trocas de casais, até que  seria uma boa idéia passar por essas experiências. Teria muito o que contar nos  livros. Mas Ada lhe dizia que por enquanto era melhor mesmo que voltasse para o  Brasil. "A bem da verdade, qual o dia que passa sem alguém dissolver minha  última esperança? Há sempre alguém a postos para declarar que estou perdido. Que  já é outro o rumo das coisas e que eu me atrasei. Que a história marcha e olha  como ainda estou cheio de ilusões. Tudo marcha em direção a uma clareza que  absolutamente não compreendo. (...) Eu e tudo estávamos sofrendo de um  ridículo, mas esse ridículo não me dava vontade de rir mas sim um medo atroz. Então  entrei num bar e pensei num porre. Daqueles que eu costumava ter no Brasil. Daquelas  noites que no dia seguinte você não lembra de nada. E eu tinha um bom motivo  para beber: esquecer por uma noite do ridículo, o mais completamente." Mary  viera do Quênia. Era uma negra forte, de grandes seios. Fora aos Estados Unidos  apresentar um vasto relatório sobre pesquisas minimalistas desenvolvidas em seu  país. Falava de como os cegos seriam úteis nas sociedades minimalistas, pois através  de suas experiências com a escuridão é que se chegaria à luz. Nos ensinariam  que só há um único caminho: o da luz. Dizia também que pesquisas recentes sobre  o sono afirmavam a importância de não se observar alguém dormindo, porque o ser  humano é a única espécie que odeia o seu semelhante, e quando este dorme, sente  um desejo intenso de eliminá-lo, embora esse desejo visceral seja reprimido  pela moral social. As conversas de Ada, Alícia e Mary giravam em torno da  sociedade minimalista. Não havia espaço entre elas para um intruso que não  estivesse de tal modo integrado. Foi quando Ada pediu-lhe que voltasse ao  Brasil. Em Porto Alegre,  nosso protagonista fala a João sobre a sociedade minimalista. João quer saber  como é encarado o Terceiro Mundo, as relações de produção, os velhos. E  irrita-se pelo amigo não ser capaz de responder-lhe. João era um escritor  corajoso. Escrevera um romance esperançoso em contraponto à atual sociedade  corrosiva. 
 
  
 
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