MANUSCRITO
(sula failde)
Gosto do manuscrito. Não que minha letra seja bonita, ela de fato não é. Definitivamente não é. Mas eu gosto mesmo assim. Faz-me recordar das dificuldades e as vitórias na fase de alfabetização. Da delicadeza da caneta correndo sobre o papel. Do risc risc do grafite sobre a folha branca. Da imperfeição na grafia que nos faz diferentes uns dos outros. Alguns traços são tão nossos que não são produzidos por nenhuma outra pessoa. Traços que denunciam nossas fraquezas, humores e temperamentos. Como perceber uma característica da personalidade facilmente detectada no pingo do i, se agora todo mundo só quer digitar ao computador?
Lembro-me de uma colega do antigo ginasial, lá pelos idos de 1970, no Colégio Batista. Ana Maria, romântica e sonhadora, não pingava o i. Sobre ele depositava delicadamente uma pequena flor desenhada. A professora de português, rigorosa nas correções, descontava-lhe pontos. Ana Maria suspirava e não se corrigia. Seus textos eram verdadeiros jardins. Hoje, fico curiosa a matutar. Como Ana Maria digitará seus textos? Conseguirá ela acrescentar seu toque pessoal? Essa marca única de Ana Maria se perdeu nos mistérios da vida? E seus sonhos, estão aprisionados nos megabytes da memória de algum computador sem alma?
Voltando ao presente, um dia desses fui ao médico. Após a consulta, ele atencioso me explicou a prescrição. Daquele momento em diante fiquei esperando ansiosa. Pensei: Lá vem a receita com aquela letra ilegível! Imaginem minha surpresa. O doutor puxou o teclado do computador sob a mesa e ali digitou a receita. Imprimiu e me entregou. Fiquei até frustrada. Consegui ler tudo. Pronto, nem letra de médico a gente consegue ver mais.
Saio andando pela cidade. Procuro uma farmácia. Vou comprar o remédio digitado. Vou pensativa, o efeito é o mesmo, oras... Remédio é remédio. Tanto faz, manuscrito ou digitado. Viro a esquerda, na outra rua tem uma farmácia.... De repente o que vejo? No muro à minha frente uma pichação. Grande, mal feita. Manuscrita. Que alívio. Alguém quer mostrar sua alma. Quer extravasar sua emoção. Pingar o i do seu jeito. É, nem tudo está perdido.
Se você for um saudosista como eu ou um colecionador de relíquias antigas, te dou um conselho amigo. Pegue caneta e papel. Escreva algo, qualquer coisa que seja seu (não copie da internet) e guarde em local seguro. Um dia seus filhos ou netos vão se lembrar de você com carinho. Quem sabe podem até ganhar um bom dinheiro leiloando o seu raro manuscrito.
PS: Neuras à parte, digitei este texto!
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